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A liberdade é uma luta constante

19 março, 2018 | Por Isabela Gaglianone

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“Colocar a violência em primeiro plano quase inevitavelmente serve para obscurecer as questões que estão no centro das lutas por justiça” – Angela Davis.

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A liberdade é uma luta constante, de Angela Davis, acaba de ser lançado no Brasil pela Boitempo. O livro reúne três entrevistas, concedidas por Davis ao ativista Frank Barat – responsável pela organização do livro e pelo texto introdutório à edição – ao longo de 2014, além de sete discursos, proferidos pela militante, entre 2013 e 2015. Ao longo dos textos, Angela Davis aborda diversas formas de submissão humana e, como pontua a escritora Conceição Evaristo, no texto de orelha, “nos traz novas orientações para pensar a luta contra o racismo, a machismo, o sexismo e outras formas de subjugação existentes em nossa sociedade”.

Ativista, professora, ícone do movimento Black Power, autora de livros já clássicos, como Mulheres, raça e classe [Boitempo, 2016], Davis discute Ferguson – em 2014, Michael Brown, de 18 anos, foi baleado por um policial na cidade de Ferguson, no estado do Missouri, dos Estados Unidos, caso que revelou um padrão racista na polícia local -, a situação da Palestina, o abolicionismo prisional, iluminando as conexões entre as lutas contra a violência estatal e a opressão ao longo da história e ao redor do mundo. A liberdade não só é uma luta constante, como uma luta global.

Em tempos dragados pela lógica neoliberal, em que mais parece que a liberdade é um luto constante, os textos de Angela Davis são inspiradores. A intelectual, que permanece entusiasta da liberdade da população pobre e trabalhadora, mostra que, observada sob um ângulo mais amplo, a história dos movimentos de libertação prova que forças aparentemente indestrutíveis podem ser facilmente destroçadas. Em tempos de execução de uma ativista, mulher e negra, no Brasil, a tradução e publicação desse livro grita a importância da constituição de bases essenciais para a luta contra as forças máximas do sistema corporativo e para a personificação coletiva da resistência.

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Doutor Jivago

19 janeiro, 2018 | Por Isabela Gaglianone

— Metafísica, meu caro, os médicos me proibiram. Meu estômago não digere.
— Deus o proteja. Deixemos isso pra lá. O senhor é um felizardo! Essa vista é admirável! Decerto vive aqui e nem a percebe.
Observar o rio fazia doer os olhos. As águas ondulavam e refletiam a luz do sol como folhas de metal. De repente, a superfície se enrugou. Uma balsa navegava para a outra margem levando cavalos, carroças, mujiques e mulheres.
— Olhe, ainda são cinco horas — disse Ivan Ivánovitch. — Aquele é o expresso de Sízran. Ele passa por aqui alguns minutos depois das cinco.
Ao longe na planície, da direita para a esquerda cruzava um trem amarelo e azul, parecendo menor pela distância. De repente, perceberam que ele parou. Debaixo da locomotiva, tufos de vapor branco se elevaram. Um pouco depois, ouviram-se apitos de alarme.
— Estranho — disse Voskobóinikov. — Há algo errado. Não há razão para ele parar ali no pântano. Alguma coisa está acontecendo. Bem, vamos tomar o nosso chá.

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O romance Doutor Jivago, do russo Boris Pasternak, acaba de ganhar uma cuidadosa edição brasileira pela Companhia das Letras, com tradução de Sônia Branco e Aurora Fornoni Bernardini.

Destacado por Eric Hobsbawn, em seu clássico A era dos extremos, como autor de relevância indiscutível, Boris Pasternak era poeta e, ao adentrar o terreno da prosa, produziu esta única e grandiosa obra. Seguindo a grande tradição do romance épico russo, herdeiro da prosa oitocentista, o romance traça um panorama completo da sociedade russa em um período historicamente crucial: a Revolução Russa, cujo drama e imensidão são retratados através da história do médico e poeta Iúri Andréievitch Jivago. Por seus olhos hesitantes, o leitor testemunha a eclosão e as consequências deste que foi um dos eventos mais decisivos do século. Em tempos sem esperança no que concerne à aspiração a uma vida normal, o amor de Jivago por Lara e sua crença no indivíduo ganham contornos de verdadeira resistência.

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Qua! qua! ecco! così! E basta!

10 janeiro, 2018 | Por Isabela Gaglianone
Giorgio De Chirico

Giorgio De Chirico, “La commedia e la tragedia” (1926)

Pirandello em cinco atos reúne cinco peças de Luigi Pirandello (1867-1936), um dos mais notórios escritores italianos do século XX: “O torniquete”, “Limões da Sicília”, “A patente”, “O homem da flor na boca” e “O outro filho”. O belo volume foi publicado no final do ano passado pela Editora Carambaia, com tradução e seleção dos textos realizadas por Maurício Santana Dias, professor de Literatura Italiana e Estudos da Tradução na USP. O livro conta ainda com um ensaio do tradutor, que trata da gênese das peças e estabelece relações com outras obras de Pirandello. Parte das obras reunidas neste volume já foi encenada em palcos brasileiros, mas todas permaneciam ainda inéditas em livro no país.

A produção dramatúrgica de Pirandello é posterior à sua produção prosaica e, inclusive, as cinco peças aqui reunidas, todas de ato único, foram criadas a partir de histórias que o autor siciliano havia escrito anteriormente sob o formato de novelas. Reconhecido pela genialidade de sua produção literária em prosa, foi, no entanto, no teatro que Pirandello levou às últimas consequências as tensões entre fato e ficção, marca fundamental de sua obra.

“Minha arte é cheia de compaixão por todos aqueles que iludem a si próprios”, diz o próprio Pirandello. “Mas, é inevitável, que esta compaixão seja seguida pelo escárnio feroz a um destino que condena o homem à mentira”. Continue lendo

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“A vida dos homens é o seu caráter”

28 dezembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone
Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, “Goethe à janela de sua casa romana”

Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, “Goethe à janela de sua casa romana”, 1787

A Editora Unesp acaba de trazer de volta às livrarias brasileiras a notória Viagem à Itália, de Goethe, com nova tradução, realizada por Wilma Patricia Marzari Dinardo Maas.

A Itália, para Goethe, simbolizava o sul quente e apaixonado, lugar onde o passado clássico ainda se mantinha vivo em espaços, símbolos e hábitos, para os quais procurou significado, redescobrindo-se nas interpretações que marcaram o percurso. A viagem deu-se entre setembro de 1786 e abril de 1788 e, realizada em segredo, quase clandestina, inscrevia-se no imperativo cultural, comum à época, de conhecer o solo de Horácio, Petrarca e Leonardo. A infinidade de assuntos dos quais se ocupou ao longo dessa permanência, porém, extravasa a arte e reflete os múltiplos interesses de Goethe – a tal ponto que João Barrento, responsável pela mais recente tradução do texto publicada em Portugal, cita Emil Staiger para sublinhar a “metamorfose que quase põe em perigo a unidade da pessoa do autor na nossa imaginação”. As idiossincrasias, anseios, e obsessões do autor, que no início da viagem contava com 37 anos, emergem sob o texto, desestabilizando a dicção clássica encontrada por aqueles que desejam ver na obra o ponto de passagem, o momento em que o artista amadurece por completo seu classicismo. O texto só foi publicado por Goethe muitos anos após a viagem; o Goethe “clássico” proverá o texto da temporada italiana de uma dicção variada e ao mesmo tempo autoral, unindo observações colhidas no calor da hora, ao lado de longos trechos extraídos de obras de outros viajantes que o precederam, além de reproduzir sua correspondência e alguns textos de terceiros, como do pintor Tischbein e do escritor Karl Philipp Moritz, ambos companheiros de jornada.

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Do corpo ao pó

13 dezembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone
Fotografia de Dona Damiana no tekoha Apyka´i, em 2015

Fotografia de Dona Damiana no tekoha Apyka´i, em 2015

Do corpo ao pó – crônicas da territorialidade kaiowá e guarani nas adjacências da morte, do antropólogo Bruno Martins Morais, delineia-se em torno de uma pergunta crucial à reflexão sobre a violência, em todo seu sentido político geral e, em particular, em seu uso sobre a territorialidade indígena: como os Kaiowá e Guarani se relacionam com a morte e a com a terra, no contexto de extrema violência do Mato Grosso do Sul?

O autor sobrepõe duas categorias territoriais, uma que diz respeito à própria concepção indígena e, outra, que subentende as políticas de Estado que historicamente vincularam os Kaiowá e Guarani a um território específico. Sua investigação etnográfica percorre, a partir de reflexões sobre a violência e a morte, esses dois modelos de territorialidade. A perspectiva de Bruno Morais apresenta um panorama da disposição territorial atual dos Kaiowá e Guarani, com foco no corpo, pois, como ele diz, “impondo uma segregação no espaço, a colonização impôs aos índios uma disciplina corporal. É como estratégia de resistência a essa disciplina que eles tentam reorganizar o espaço a partir dos acampamentos de retomada. A relação com a morte e com os mortos emerge como um eixo orientador da vida sobre o território, e os dois últimos capítulos vão dedicados a etnografar essas relações e as concepções de pessoa, de corpo, e os elementos escatológicos e proféticos envolvidos nos ritos funerários. Dividido entre uma parte substantiva, e uma parte imaterial, o corpo aparece no fim como o elemento organizador da produção e da reprodução da vida social, da territorialidade, e do cosmos. Do mesmo modo, é o corpo o eixo organizador da destruição do que há nesta terra. Traduzindo um registro no outro, os Kaiowá e Guarani operam uma crítica histórica que sugere uma conciliação entre as teorias já não como opostas, mas como complementares e variadas em perspectiva”.

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Ele que o abismo viu

8 dezembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone
Relevo que representa o deus Marduk, herança babilônica, atualmente no Museu do Louvre.

Relevo que representa o deus Marduk, herança babilônica, atualmente no Museu do Louvre.

O mais antigo registro literário conhecido – anterior a Homero, a Hesíodo e aos textos bíblicos –, a Epopeia de Gilgámesh – Ele que o abismo viu, acaba de ganhar uma excelente edição no Brasil, publicada pela editora Autêntica, com texto traduzido do acádio e anotado pelo professor Jacyntho Lins Brandão.

Ele que o abismo viu é uma das versões do mito de Gilgámesh, atribuída a Sin-léqi-unnínni (séc. XIII a.C.), e tida como a mais completa e importante desta tradição acádia. O poema babilônico foi preservado em tabuinhas de argila que foram descobertas entre 1872 e 2014. O longo texto é ainda fragmentário, porém a edição traduz sua mais ampla reconstrução, baseada em versões críticas recentes que substituíram as anteriores.

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Um dizer rodeado de silêncio

1 dezembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“[…] seu destino eram as letras”.

Miguel Cabrera, "Retrato de Sor Juana Inés de la Cruz"

Miguel Cabrera, “Retrato de Sor Juana Inés de la Cruz”

Sor Juana Inés de la Cruz ou As armadilhas da fé, de Octavio Paz, acaba de ser lançado no Brasil, em co-edição entre a Editora Ubu e o Fondo de Cultura Económica, com tradução de Wladir Dupont.

Trata-se de um ensaio volumoso, profundo e de difícil classificação: o texto de Paz amalgama biografia, história, antropologia e crítica literária para abarcar a relevância da figura de Sor Juana Inés de la Cruz (1648-1695), considerada a primeira escritora de língua espanhola na América. Através da figura desta interessante e forte mulher, Paz delineia uma fase da história do México, então sociedade católica da Nova Espanha, na segunda metade do século XVII.

O vice-reinado católico da Nova Espanha, constituído no século XVI, avançava do sul dos Estados Unidos até a Mesoamérica, excluindo-se apenas a capitania geral da Guatemala, e, ao lado do vice-reinado estabelecido no Peru, atuou como uma das fontes primordiais de transferência de riquezas para a metrópole espanhola durante quase trezentos anos. É no seio deste contexto que Paz vê a grandeza de Sor Juana, uma das mais extraordinárias personagens da cultura da América, vanguardista e corajosa: uma freira poeta em um mundo encoberto pelo barroco espanhol e pelo sacrifício dos povos indígenas, por dogmas sobrepostos a tradições; sincrético e injusto.

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Narrativas da revolução

17 novembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone
El Lissitzky, "Tatlin trabalhando"

El Lissitzky, “Tatlin trabalhando”

Inveja, do escritor russo Iuri Oliécha (1899-1960), novela aclamada como um acontecimento literário radicalmente novo no ano de sua publicação, 1927, acaba de ser publicada no Brasil pela editora 34, com tradução de Boris Schnaiderman.

A novela recebeu novas e complexas leituras ao longo do tempo; trata-se de uma sátira mordaz e crítica implacável quanto aos ideais socialistas, porém marcadamente poética.

A trama vertiginosa beira o nonsense. É complexa a ambiguidade psicológica dos personagens, a exaltação de sentimentos contraditórios, que vão da arrogância à auto-humilhação, do amor à inveja desvairada. Satiricamente irresolutas na obra, estas contradições são articuladas por uma imaginação desenfreada e um domínio completo do tempo e do espaço narrativos: o resultado, é uma obra de metáforas audaciosas, desenvoltura soberba e de grandeza ímpar.

Ainda hoje, a novela é desconcertante sob muitos aspectos. Uma tragicomédia anárquica, cujo ritmo e intensidade verbal foram recriados com brilho pela tradução de Boris Schnaiderman.

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Andaimes

9 novembro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“El olvido está lleno de memória” – Mario Benedetti.

Croqui de Lina Bob Bardi

Croqui de Lina Bob Bardi

O romance Andaimes, do grande escritor uruguaio Mario Benedetti (1920-2009), acaba de ser lançado no Brasil pela editora Mundaréu, com tradução de Mario Damato.

Com uma prosa em tom bastante pessoal, o romance trata do retorno do protagonista, Javier, ao Uruguai, seu país natal, depois de anos de exílio político na Espanha. Os andaimes, que dão título à obra, metaforizam as construções graduais de história e memória que Javier articula neste retorno, ao longo de conversas, de desencontros, de cartas, notícias e reflexões, através dos quais paulatinamente percebe as mudanças transcorridas na situação econômica e a política uruguaia, bem como as mudanças passadas por amigos e companheiros de luta. Os andaimes levam o romance às alturas de perguntas reticentes, sobretudo porque feitas por um “desexilado”: o que resta de um país, de um sonho, de tantos afetos?

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Didi-Huberman

25 outubro, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“A casca não é menos verdadeira que o tronco. É inclusive pela casca que a árvore, se me atrevo a dizer, se exprime”.

Fotografia de Gilles Caron

O filósofo francês Georges Didi-Huberman nasceu em Saint-Étienne, na França, em 1953. É autor de mais de trinta livros, professor da École de Hautes Études em Sciences Sociales, em Paris, e um dos mais importantes pensadores sobre a arte hoje. Didi-Huberman esteve na semana passada no Brasil para a abertura da exposição “Levantes”, da qual é curador e que fica em cartaz em São Paulo, no Sesc Pinheiros, até 28 de janeiro.

Por ocasião da presença do filósofo, dois de seus livros foram aqui lançados: o belo ensaio Cascas, publicado pela Editora 34 com tradução de André Telles, e Levantes, reflexão de Didi-Huberman à guisa de catálogo da exposição, reunido a ensaios de outros filósofos renomados, como Judith Butler, Antonio Negri e Jacques Rancière, volume organizado pelo próprio Didi-Huberman e publicado pelas Edições Sesc.  Continue lendo

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Branco vivo

25 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Nunca fui Miguilim. Embora pertença (orgulhosamente) a duas linhagens de capiaus e caipiras, que migraram da roça e vieram se entrelaçar (pelo encontro entre minha mãe e meu pai) na cidade grande, destoando dos meus antepassados, nasci, cresci e sigo forjando minha visão de mundo a partir de São Paulo. Além do mais, entre outros privilégios, disponho dos meus próprios óculos. O que resolve o problema do astigmatismo (um grau em cada olho), mas não serve para o principal: alargar meu ponto de vista urbanoide, letrado, calçado. Nesse caso, é preciso sair do lugar cativo. É preciso buscar a paisagem alheia. É preciso ir até o Mutúm — viajar, afinal, é ver com a pele”.

Araquém Alcântara ["Mais médicos"]

Araquém Alcântara [“Mais médicos”]

Branco vivo é um ponto de vista inusitado e instigante sobre o Brasil. Uma confluência fecunda entre os trabalhos do fotógrafo Araquém Alcântara e do escritor Antonio Lino sobre o Programa Mais Médicos, que, juntos, compõem um livro forte e sensível.

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Sobre o sofrimento cotidiano

23 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Odilon Redon

O psicanalista Christian Dunker acaba de lançar o livro Reinvenção da intimidade: políticas do sofrimento cotidiano, pela editora Ubu. Trata-se da reunião de 49 ensaios, que dialogam sobre sofrimento, felicidade, ódio, política, solidão, intimidade; sobre as estratégias cotidianas para lidar com tudo o que nos afeta. Segundo o autor, o livro é “uma investigação sobre as formas de amor, sobre suas interveniências políticas, sobre a possibilidade de ficar junto e separado”. A partir dessa investigação, Dunker desenvolve uma reflexão psicanalítica sobre a experiência de sofrimento, própria da nossa época.

O argumento de Dunker tem como premissa implícita a ideia de que o sofrimento, embora vivido no sujeito, requer e propaga uma política – está submetido a uma dinâmica de poder. O poder é gerado por aqueles que podem reconhecer o sofrimento e por aqueles de quem esperamos legitimidade, dignidade ou atenção, seja o Estado, um médico, um padre ou policial, ou aqueles que amamos. Dessa maneira, as políticas do sofrimento cotidiano sustentam-se em nossas escolhas diante desses agentes de poder, através das maneiras de transformar nosso entorno ou a nós mesmos, das possibilidades de externalizar ou internalizar, construir ou desconstruir afetos, entre outros.

A problemática da rarefação da intimidade e o processo de solidão são intimamente analisados. Ao longo do livro, Dunker ilustra-os com exemplos que nos são corriqueiros, como tendências à hipersocialização, ou impotências para construir situações de real solidão ou intimidade. Continue lendo

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Impressões de Foucault

17 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

Foucault entre José Carlos Castro e Benedito Nunes, professores de Filosofia da Universidade Federal do Pará – fotografia realizada durante a visita de Foucault a Belém, em Novembro de 1976

Acaba de ser lançado, em primorosa edição, Impressões de Michel Foucault, pela interessante editora n-1.

Roberto Machado, professor titular do Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, é considerado, tanto no meio acadêmico quanto fora dele, um dos mais brilhantes intérpretes no Brasil das obras de Michel Foucault e Gilles Deleuze, notório sobretudo pela organização de Microfísica do poder. Machado conta que, após ter publicado trabalhos sobre Friedrich Nietzsche, Gilles Deleuze e Marcel Proust, pretendeu “se reinventar pela escrita”, contando a história de sua longa relação com Michel Foucault, vivida nos cursos do Collège de France e nas vindas do filósofo francês ao Brasil. Trata-se, segundo o autor, da união entre “desejo de reflexão e desejo de ficção”, sem detrimento do rigor conceitual.

Como diz Peter Pál Pelbart, no livro, Roberto Machado “conduz o leitor à atmosfera parisiense que rodeava Foucault, povoada de cineastas, escritores, polêmicas e anedotas. Pelas lentes desse filósofo nascido no Recife e radicado no Rio, apreendemos fragmentos da vida pública e privada de um dos mais importantes pensadores do século XX. O que surge daí não é um monumento, mas uma aventura intelectual e vital, graças à capacidade que Foucault possuía de se deslocar, se desprender de si, mudar, surpreender”. Para o filósofo húngaro, trata-se do “testemunho vivo do encontro entre nossos trópicos nem sempre tristes e a efervescência intelectual de uma geração radical de pensadores franceses que marcou definitivamente nossa própria maneira de viver e de pensar”.

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Calibã e a bruxa

2 agosto, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“Por que depois de quinhentos anos de domínio do capital, no início do terceiro milênio, os trabalhadores ainda são massivamente definidos como pobres, bruxas e bandoleiros? De que maneira se relacionam a expropriação e a pauperização com o permanente ataque contra as mulheres? O que podemos aprender sobre o desdobramento capitalista, passado e presente, quando examinado em perspectiva feminina?” – Silvia Federici.

Bruxa voando sobre uma cabra, gravura de Albrecht Dürer, 1501, British Museum

Calibã e a bruxa – mulheres, corpo e acumulação primitiva, importante livro de Silvia Federici, acaba de ganhar uma cuidadosa edição brasileira, pela tão recente quanto promissora editora Elefante, com tradução realizada pelo Coletivo Sycorax. O livro, publicado originalmente em 2004, é referência incontornável para a análise histórica sobre a integração do corpo feminino e da reprodução biológica na máquina de produção capitalista. A autora detalha como a exploração do corpo feminino é inseparável da lógica capitalista, desde seu surgimento ainda medieval, e mostra como a resistência dos corpos e dos saberes propriamente femininos coexiste necessariamente com sua exploração.

Fundamentada em vasta pesquisa documental, iconográfica e bibliográfica, Federici argumenta que os assassinatos cometidos sob a justificativa da chamada caça às bruxas são um aspecto fundacional do sistema capitalista, uma vez que designou às mulheres o papel de “produtoras de mão de obra”, obrigando-as, pelo terror, a exercer gratuitamente os serviços domésticos necessários para sustentar os maridos e os filhos homens que seriam usados como força de trabalho do sistema nascente.

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Aqueles que queimam livros

14 julho, 2017 | Por Isabela Gaglianone

“No lugar em que agora queimam livros, hão-de queimar homens amanhã” – Heine, citado por George Steiner, em Tigres no espelho.

Trabalho da artista Ekaterina Panikanova

George Steiner é autor de tão extensa quanto diversificada obra, abrangendo sobretudos as áreas de filosofia, crítica literária e literatura. Nascido em 1929, em Paris, Steiner ensinou literatura em universidades de todo o mundo e tornou-se conhecido como um humanista pessimista, interrogando a espantosa contradição entre a exuberância do pensamento ocidental e os assassinatos em massa e genocídios praticados por essa mesma cultura, sobretudo em relação aos judeus pelos nazistas alemães – como o nazismo pôde se desenvolver no próprio seio da alta cultura?, pergunta. “Aqueles que queimam livros, que banem e matam os poetas, sabem o que fazem. O poder indeterminado dos livros é incalculável”.

Para Steiner, porém, o pessimismo da análise da história da humanidade tem um remédio otimista: os livros são a nossa chave de acesso para nos tornamos melhores do que somos. É o que discute em Aqueles que queimam livros, que acaba de ser lançado no Brasil pela editora Âyiné, com tradução de Pedro Fonseca.

Segundo o autor, é inquestionável a capacidade da leitura de produzir uma transcendência intelectual, responsável por suscitar discussões, alegorizações e desconstruções sem fim. Tanto, que um livro pode sobreviver em qualquer parte nesta terra, envolvo em um silêncio inquebrantável, e a qualquer momento é possível que seja ressuscitado.

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