Arquivos da categoria: poesia

Literatura

Itinerário de Pasárgada

28 março, 2018 | Por Isabela Gaglianone

“Cedo compreendi que o bom fraseado não é o fraseado redondo, mas aquele em que cada palavra está no seu lugar exato e cada palavra tem uma função precisa, de caráter intelectivo ou puramente musical, e não serve senão a palavra cujos fonemas fazem vibrar cada parcela da frase por suas ressonâncias anteriores e posteriores. Não sei se estou sutilizando demais, mas é tão difícil explicar porque num desenho ou num verso esta linha é viva, aquela é morta.” – Manuel Bandeira

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A conhecida autobiografia de Manuel Bandeira, Itinerário de Pasárgada, foi publicada pela primeira vez em 1954. Então com 68 anos de idade e poeta já consagrado, Bandeira revisita seu refúgio onírico, a famosa Pasárgada que o acompanhou durante a vida desde seus dezesseis anos, quando descobriu o nome desta pequena cidade, nas montanhas da Pérsia, fundada por Ciro.

“Vou-me embora pra Pasárgada”, escrevera em 1930, batizando o notório poema publicado em Libertinagem; símbolo de evasão, de “toda a vida que podia ter sido e que não foi”, Pasárgada acabou por se tornar uma identificação do itinerário da própria busca literária do poeta.

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Conversações com Goethe

19 setembro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

– Só nos causa espanto – replicou Goethe – porque nosso ponto de vista é demasiado estreito para nos permitir compreendê-lo. Se ele nos fosse ampliado, talvez constatássemos que também esse aparente desvio provavelmente se encontra no âmbito da lei. Mas continue, conte-me mais. Sabe-se, por acaso, quantos ovos o cuco pode pôr?

Leonardo da Vinci, Estudo preliminar para a pintura “Battaglia di Anghiari” (1503-1504)

Conversações com Goethe nos últimos anos de sua vida – 1823-1832, de Johann Peter Eckermann (1792-1835), acaba de ganhar uma edição primorosa no Brasil pela Editora Unesp, com tradução de Mario Luiz Frungillo, professor de Teoria Literária na Unicamp. Trata-se, como disse Otto Maria Carpeaux, de um testemunho da universalidade de interesses, da lucidez de julgamento e da sabedoria octagenária do grande poeta. Para Benjamin, as Conversações tornaram-se “um dos melhores livros em prosa do século XIX”.
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Guia de Leitura

Llansol

5 fevereiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

Maria Gabriela Llansol (Lisboa, 24 de Novembro de 1931 – Sintra, 3 de Março de 2008) é conhecida como autora de uma obra inclassificável: seus livros transitam entre gêneros e esfarelam suas fronteiras, articulando e reunindo diário e romance, poesia e ensaio.

Sua escrita é enigmática e repleta de fulgor. Há uma estranheza e uma complexidade que envolvem toda sua obra.

Segundo Maria João Cantinho, em artigo publicado pela revista de estudos literários da Universidade de Madrid, Espéculo, o texto de Maria Gabriela Llansol abandona a literatura “para mergulhar no abismo – já não da literatura – mas da própria escrita, no que ela contém de perigosa implosão. E é nesse limiar de perigo, entre o exprimível e o inexprimível, que se sustenta o texto llansoliano”. De acordo com a crítica portuguesa: “Quando é pensável a leitura crítica sobre a obra, imediatamente vem à memória o noli me legere de Blanchot[1]Ressalte-se o precário do texto, a zona obscura em que ele se encerra, guardando em si o sentido. A resistência abre-se nessa incandescência da imagem; se, por um lado, ela (imagem-escrita) apela ao jogo das faculdades, para usar o termo kantiano; por outro, essa imagem fecha-se sobre si própria, transformando-se num interdito”.

 

 

Maria Gabriela Llansol, "Na casa de julho e agosto"

Maria Gabriela Llansol, “Na casa de julho e agosto”

Último dos livros da trilogia “Geografia de Rebeldes”, Na casa de julho e agosto, publicado originalmente em 1984, é, como afirma João Barrento no posfácio, o “livro do desencontro entre duas paisagens na história da Europa” e também o “livro das relações, e um roteiro de viagens – entre a Europa do norte e o litoral português”.

Denso, é feito de maneira fragmentária, narrado por personagens históricas – figuras religiosas, filósofos, artistas –  separadas por séculos, de maneira que o texto cria uma complexa trama de exílios e viagens ao redor do mundo ao largo de rios: o Tejo, o Eufrates, o Tigre. Os rios, uma vez que interligam vários países, são veios de partilha de culturas. Assim, são imagens da emancipação talvez da própria autora, que viveu em longo exílio, entre as décadas de 1960 e 80.

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“Pesquiso a forma no caos”

20 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone

“Nossa medida de humanos

-Medida desmesurada-

Em Selinunte se exprime:

Para a catástrofe, em busca

Da sobrevivência, nascemos”

– Murilo Mendes, “As Ruínas de Selinunte”.

escadaSiciliana e Tempo espanhol foram publicados separadamente por Murilo Mendes em 1959. A editora Cosac Naify acaba de reeditá-los num volume único, com posfácio de Eduardo Sterzi. A publicação acompanha a tendência editorial a apostar em autores consagrados.

Os dois livros foram escritos pelo poeta ao longo das quase duas décadas em que viveu na Europa. Em ambos, sua poesia faz alusão a obras, monumentos e cidades do velho mundo. Por sua forma, tem em comum a concisão e um tom mais seco, distanciando-se do surrealismo que vinha inspirando sua poesia.  Continue lendo

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Remixes visuais

30 julho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

augusto de campos_outro

O poeta Augusto de Campos acaba de lançar um novo livro, Outro.

“Eu mordo o que posso”, diz o poeta. O livro traz, segundo sua introdução, “novos poemas, intraduções e outraduções (remixes visuais). Achei curioso e ao mesmo tempo estranho o uso dessa palavra em discos americanos e custei a me dar conta de que se tratava de um termo musical, uma palavra-valise que sai do ‘in’ para o ‘out’, revertendo o sentido de INTRO. E que indica a diferente performance de uma faixa anterior ou algum outro ‘bonus’ – um ‘extro’. Outro outro. Outradução, extradução? Seja o que for, gostei da palavra ambígua.”

Há, ao fim do livro, indicações de clip-poemas, que podem ser vistos na internet.

Tendo passado doze anos sem publicar seus poemas em livro, Augusto de Campos declarou:

“E é com este OUTRO, que pode ser também o último bônus de meu trabalho  poético, que ouso ex-pôr estes novos poemas. Sobrevivente, para o bem ou para o mal, não posso deixar de completar o que comecei, o quanto me for possível”.  Continue lendo

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Guia de Leitura

Filósofos e literatos que pontuam Mallarmé como o principal marco de ruptura com a poesia pregressa

26 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Mallarmé como fundamental instaurador de questões contemporâneas que ultrapassam a forma poética.

 

Stéphane Mallarmé (1842-1898) inaugurou questões e possibilidades para a poesia, tão profundas, que ainda não plenamente decifradas pela crítica literária contemporânea. Precursor da poesia concreta, influência decisiva para os poetas futuristas e dadaístas, Mallarmé é, sobretudo, conhecido como um escritor cuja prosa e poesia primam pela musicalidade e experimentação gramatical.

 

Sartre, “Mallarmé”

Sartre, no livro Mallarmé – sem tradução para o português –, analisa que o poeta, em sua obra, nega o homem, pois que transforma “o eterno em temporalidade e o infinito em acaso”.

Antes de Camus, Mallarmé teria percebido, segundo o filósofo, que o suicídio é uma questão humana premente, trabalhada, em sua poesia, através do poema crítico, em que a elocução do poeta desaparece em favor da autonomia das palavras.

Mallarmé cria uma articulação sintática inovadora a partir de uma desconexão, um distanciamento, que faz com que as palavras orbitem em torno umas das outras não por uma necessidade semântica, mas por relações analógicas.

De acordo com Sartre, Mallarmé cria uma linguagem em que a palavra se torna coisa. Segundo o filósofo, “le poème est la seule bombe” [“o poema é a única bomba”], frase provinda de uma metáfora-ideia política de Mallarmé. Poemas podem ser bombas, pois exploram e esgotam as relações dos significantes que abarcam.

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A alma do corpo

26 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Wesley Duke Lee

Wesley Duke Lee

Corpo, de Carlos Drummond de Andrade, foi lançado originalmente em 1984. Estava esgotado e acaba de ganhar nova edição, agora pela Companhia das Letras, com posfácio da crítica e escritora Maria Esther Maciel. Trata-se de um dos mais esplêndidos livros da última fase do poeta; publicado aos 82 anos do poeta, três anos antes de seu falecimento, revela um olhar poético preciso, profundo e inesgotável.

Os poemas tematizam o amor, a morte, a relação entre pessoas e das pessoas com o meio ambiente. O corpo a que refere-se o título, diz respeito não só ao corpo humano físico, mas ao corpo das cidades, corpo geográfico e urbano, histórico: degradado, devastado, violentado. Em seus versos, Drummond denuncia, ainda que resguarde seu olhar generoso em relação à vida.

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Autorretrato num espelho convexo

5 março, 2015 | Por Isabela Gaglianone

John Ashbery

John Ashbery é conhecido por uma poética do estranhamento, que explora o lirismo das incoerências e descontinuidades do fluxo da vida. A professora Viviana Bosi, no belo estudo John Ashbery – Um módulo para o vento, analisa essa poesia, que movimentando-se entre o padronizado e a impermanente, capta a experiência em sua velocidade e inapreensibilidade. A reflexão de Viviana fundamenta-se sobretudo na sua tradução para o português do longo poema “Autorretrato num Espelho Convexo”, escrito em 1975 e considerado texto emblemático da pós-modernidade.

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Etnopoesia

18 fevereiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
BISILLIAT_21

fotografia de Maureen Bisilliat

O fim de tarde de uma alma com fome é um poema épico de Sérgio Medeiros. O poeta buscou inspiração no teatro nô e em lendas indígenas. O poema desenvolve três variações sobre um mesmo tema, três versões básicas de uma mesma cena: um mito oral, sem origem definida e em constante transformação. Seu resultado é contextualmente interessante e liricamente profundo e rico.

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Esqueça a palavra

27 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
evandro carlos jardim

Evandro Carlos Jardim, gravura em metal

Adriana Lisboa é reconhecida por seu trabalho literário em prosa, pelo qual já venceu prêmios como o Prêmio José Saramago, por Sinfonia em branco.

Parte da paisagem, sua mais recente publicação, porém, apresenta um outro lado, menos conhecido, de seu trabalho: sua produção poética. Trata-se de uma compilação de cinqüenta poemas, notáveis sobretudo pela musicalidade. Por entre temas variados, sua poética perpassa referências cinematográficas, esmiúça a vida por trás das letras – bem como seu caráter indicial de morte –, atravessa minúcias do cotidiano.

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Poemas circunstanciais

20 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Magritte, “Ceci n’est pas une pomme” (1964)

Pouco se menciona sobre a produção poética de James Joyce. Uma reunião de seus poemas encontra-se no volume cuja tradução no Brasil é Pomas, um tostão cada [sendo, seu título original, Pomes, penyeach], título que mantem a aliteração ressonante do trocadilho entre “poems” – poemas – e “pomes” – pomos, normalmente utilizado em inglês para designar peras e maçãs. Traduzidos para o português por Alípio Correia de França Neto – que também é responsável pelas notas e pela introdução à edição brasileira –, os poemas foram reunidos e publicados pela primeira vez em 1927.

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Vita da l’aspro tormento

15 janeiro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

Simone Martini Siena, cerca de 1284 – Avignon, 1344), detalhe de “Annunciazione” – Galleria degli Uffizi, Firenze

Em co-edição, a Ateliê Editorial e a Editora da Unicamp acabam de lançar Cancioneiro, de Petrarca, poema que, concluído por volta de 1370, foi, desde então, o principal modelo no Ocidente para o desenvolvimento de toda a arte poética lírica vindoura. Ainda que a tradição laureie os poemas esculturais dantescos, em Petrarca a solenidade torna-se metafísica e suas marcas calam fundo na poesia até os dias de hoje.

Com tradução de José Clemente Pozenato, o volume traz os 366 poemas, sendo 317 sonetos, 29 canções, 9 sextinas, 7 baladas e 4 madrigais. O tema em torno do qual desenvolvem-se os poemas é o amor, em vida e depois da morte de Laura. Entremeados a estes, há poemas que contextualizam ao leitor o cotidiano do poeta, com marcações como o rodar de um tear, por uma mulher velha, de manhã bem cedo.

O resgate da Antiguidade empreendido por Petrarca foi de importância fundamental para o início do Renascimento italiano. Continue lendo

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O poeta em que o verbo fez-se carne

18 novembro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
Para que os canaviais possam dar mais doçura à alma Humana?

Lasar Segall

Acaba de ser republicado o livro Poemas negros de Jorge de Lima, em edição que recupera a primeira, publicada em 1947, com ilustrações de Lasar Segall e prefácio de Gilberto Freyre. São poemas marcados por uma envolvente musicalidade e apelo aos sentidos. Localizados entre o engenho e o navio negreiro, formam uma história poética do negro no Brasil, da influência do escravo na cultura brasileira, também da crueldade do tratamento servil a que foram submetidos. Jorge de Lima ultrapassa o folclórico pitoresco e recria a paisagem nordestina, canta as lavadeiras na lida, descreve o ar “duro, gordo, oleoso” da madorna, o chamado da “Negra Fulô” pela sinhá, para a abanar, pelo sinhô, para a açoitar.

Segundo Vagner Camilo, professor de Letras Clássicas e Vernáculas na USP, responsável pelo texto acrescido como posfácio à edição, conforme diz no artigo “Jorge de Lima no contexto da poesia negra americana”, os poemas falam “dos seres que povoam seu universo afro-poético em termos de personagens (e situações) típicas, equiparáveis ao universo pictórico de Segall (não só os óleos sobre tela, mas também os grafites sobre papel), embora no caso de Poemas negros várias delas oscilem entre o tipo e a individualidade, incluindo-se aquelas que são evocadas pela memória da infância do poeta, como Celidônia, Zefa Lavadeira, Maria Diamba e Benedito Calunga”. Continue lendo

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Certa palavra dorme da sombra

31 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

No dia 31 de outubro, em 1902, nascia em Itabira Carlos Drummond de Andrade. O Instituto Moreira Salles rende-lhe, nesta data, uma homenagem – veja a programação do “Dia D – que a Livraria 30porcento aqui acompanha.

Recentemente reeditado pela Companhia das Letras, o Discurso de primavera e algumas sombras foi publicado pela primeira vez em 1977. São poemas originalmente publicados na coluna que Drummond mantinha no Jornal do Brasil. É notável, neles, seu caráter público e portanto conscientemente político; muitos dos poemas tratam de episódios que pontuam um tempo conturbado, de maneira geral no mundo e, especificamente no Brasil, retratam o desalento com o regime ditatorial militar que fechava todos os espaços destinados à liberdade, coletiva e individual.

Entre os temas recorrentes nos poemas, encontra-se também, forte, preocupado, niilista, o despertar da consciência ecológica. Em tempos que realizaram a Conferência de Estocolmo, primeira grande discussão mundial sobre as mazelas planetárias do desenvolvimento industrial, Drummond foi um dos primeiros autores a posicionar-se de maneira crítica à degradação ambiental. Poemas como “Águas e mágoas do Rio São Francisco”, que abre o volume, “Num planeta enfermo” ou “Antibucólica 1972” mostram sua verdadeira indignação com a devastação da natureza. Outra vertente política da poesia drummondiana.  Continue lendo

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Artes Plásticas

Um legado importantíssimo

23 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O Gráfico Amador reúne detalhadamente o registro de todos os impressos produzidos pela gráfica e editora homônima, a lendária oficina de artes gráficas pernambucana fundada por jovens artistas e intelectuais, que iniciou suas atividades em 1954 e as encerrou em 1961. A história é reconstituída, neste livro amplamente ilustrado, pelo designer Guilherme Cunha Lima. Publicado originalmente em 1996 pela editora da UFRJ, o livro acaba de ser relançado, em edição revisada e em cores, pela Verso Brasil.

No volume todas as obras publicadas foram recuperadas. São mais de duzentas imagens, entre livros, gravuras, aquarelas, peças de teatro, boletins sobre tipografia, literatura e teorias literárias. Traz peças literárias raras de escritores como Ariano Suassuna, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Sebastião Uchoa Leite e outros, bem como gravuras, aquarelas, pochoir e obras dos talentosos Reynaldo Fonseca, Adão Pinheiro, Francisco Brennand, e dos ‘gráficos’ Orlando da Costa Ferreira e Aloisio Magalhães.

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