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Joyce

16 junho, 2016 | Por Isabela Gaglianone

desenho de Brancusi

Hoje, dia 16 de junho, é o famoso Bloomsday, celebrado ao redor de todo o mundo por amantes de James Joyce. É neste dia, em 1904, que o protagonista de seu célebre Ulysses, Leopold Bloom, perambula por Dublin, ao longo das mais de 1.000 páginas da obra.

Em Sim, eu digo sim – Uma visita guiada ao Ulysses de James Joyce, Caetano Waldrigues Galindo, premiado pela tradução de Ulysses [Companhia das Letras, 2012] e profundo conhecedor da obra do autor irlandês, acompanha os meandros dos passos dados por Bloom, Stephen e Molly naquele 16 de junho. Galindo ao mesmo tempo analisa a própria natureza do romance e de alguns dos principais assuntos que o povoam. Sua leitura, erudita e surpreendente, é um guia de leitura agradável e profícuo. E que abre muitas portas inusitadas; afinal, mesmo Gombrowicz, no seu ensaio “Contra os poetas”, reclamava: “[…] Mas, tenha-se em conta, eu não aconselho ninguém a prescindir da perfeição já alcançada, antes considero que esta perfeição, esse aristocrático hermetismo da arte devem ser compensados de algum modo e que, por exemplo, quanto mais refinado é o artista, tanto mais deve levar em conta os homens menos refinados, e quanto mais idealista é, tanto mais deve ser realista. Este equilíbrio à base de compensações e antinomias é o fundamento de todo bom estilo, mas nos poemas não o encontramos, e tampouco se pode notar na prosa moderna influenciada pelo espírito da poesia. Livros como A morte de Virgílio de Herman Broch ou ainda o celebrado Ulisses de Joyce se mostram impossíveis de ler por serem demasiado “artísticos”. Tudo ali é perfeito, profundo, grandioso, elevado e, ao mesmo tempo, nada nos interessa porque seus autores não os escreveram para nós, mas para o Deus da arte”.

Segundo Galindo, porém, novatos na leitura de Joyce deveriam tentar ler Ulysses, ao menos uma vez, antes de seu comentário. O crítico inicia seu livro com simpático “Boas vindas”, em que adverte: “Este livro não é um tratado acadêmico sobre o Ulysses. Ele também não é a chave de todos os enigmas nem a fonte de todos os dados. Foi inteiro pensado para o ‘leitor comum’ e prefere partir do princípio de que o Ulysses — complexo, denso etc. — de certa forma ainda padece por causa dessas reputações. Elas são todas verdadeiras, reconheçamos, mas talvez tenham obscurecido outros méritos e outros atrativos. A ideia básica aqui é a de que todo leitor interessado em literatura de qualidade tem a capacidade e o direito de passar pela experiência profundamente transformadora que é a leitura do romance de Joyce. E não apenas os especialistas. E não somente os obcecados por charadas e estruturas”.

Como disse em resenha o crítico Agnaldo Medici Severino, o livro de Galindo “não apenas apenas explica as passagens mais bizarras e cifradas do livro, mas antes apresenta o jogo de leitura proposto por Joyce, oferece alguma luz para que cada leitor possa entender mais, aprender mais, divertir-se mais. Galindo explicita que seu guia possibilita uma leitura acompanhada, uma leitura que chama a atenção aos detalhes que não podem passar despercebidos”.

Guilherme Freitas, em artigo publicado no jornal O Globo, sobre o livro, pontua que Galindo, professor de linguística na Universidade Federal do Paraná, “apresenta em ‘Sim, eu digo sim’ os personagens e cenários do romance de Joyce, comentando as muitas alusões que ele faz à jornada de Ulysses na ‘Odisseia’, de Homero. Também joga luz sobre as invenções verbais e a intricada estrutura do livro, que acompanha um dia na vida de Leopold Bloom em Dublin. Com a experiência de quem passou uma década traduzindo ‘Ulysses’, Galindo descreve seu livro como ‘uma visita guiada’ ao romance, e não um ensaio acadêmico”. No mesmo artigo, o professor, entrevistado, diz: “O guia pretende realmente ser como um guia, a pessoa que, por ter se informado mais aprofundadamente sobre um museu, uma igreja, pode dar aos visitantes toda uma série de informações que eles só teriam se tivessem lido todos os livros que o camarada leu em seu treinamento. É um passeio pelo ‘Ulysses’: ‘preste atenção naquilo ali’; ‘percebeu como aquilo é bonito?’; ‘sabe por que aquilo é daquele jeito?’. A ideia foi a de dar ao maior número de pessoas o maior acesso possível a um livro infinitamente denso, rico”. Sobre o protagonista, Galindo diz: “Bloom é o personagem mais encantador da literatura, uma afirmação cabal do valor, da centralidade e do peso da vida humana, da compaixão e da beleza dessa vida”.

Uma das facetas do universo literário de Joyce faz com que seja preciso voltar o olhar para o instante da experiência que emerge graças a uma revelação interior abrupta, momento de epifania, descarrilamento da consciência. O crítico Richard Ellmann, comentando essa faceta, lembra que um dos divertimentos favoritos do escritor era destruir velhas coisas solenes e mesmo que, em determinado momento, teria ficado “contente por encontrar valor no que se esperava que ele condenasse como comum e vulgar” – era assim que ele reinventava o mundo, diz Ellmann, e também que Joyce teria “encorajado” seu personagem Leopold Bloom a infundir singularidade às coisas comuns; diz o crítico: “Bloom difere dos dublinenses menos importantes porque sua poesia interna é contínua, até nas situações menos promissoras”. Em Joyce, não há mais uma prosa, um dizer narrativo típico.

Segundo Umberto Eco, no clássico Obra aberta: “Se devêssemos sintetizar o objeto das presentes pesquisas, valer-nos-íamos de uma noção já adotada por muitas estéticas contemporâneas: a obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante. […] tal ambiguidade se torna – nas poéticas contemporâneas – uma das finalidade explícitas da obra, um valor a realizar de preferência a outros, conforme modalidades para cuja caracterização nos pareceu oportuno aproveitar instrumentos favorecidos pela teoria da informação”. Entendendo, por poética, o estudo das estruturas linguísticas de uma obra literária, “não como sistema de regras coersitivas […], mas como programa operacional que o artista se propõe de cada vez, o projeto de obra a realizar tal como é entendido, explícita ou implicitamente, pelo artista”.  

Depois de publicar Ulysses, James Joyce disse que a receita para se tornar imortal era simples: bastava manter os críticos literários ocupados por décadas a fio. Foi a partir dessa ideia que Caetano Galindo pensou neste guia.

A Companhia das Letras disponibiliza trecho para visualização.

 

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[…]

Assim, por exemplo, os famosos quadros de correspondências, símbolos e técnicas que o próprio Joyce forneceu aparecem comentados logo de início, para que a partir daí seja possível a gente seguir em frente de forma mais livre, mais ao sabor das páginas.

Pois, sim, é verdade que o Ulysses se baseia na Odisseia de Homero. Sim, é verdade que cada episódio se passa em determinado horário, tem determinado símbolo e determinada técnica. E essas coisas são relevantes, estruturam mesmo o livro; são as vigas em torno das quais Joyce ergueu uma obra de precisão, abundância e detalhismo atordoantes.

E precisam ser abordadas. E são.

Mas eu trabalho com a convicção clara de que, apesar de serem elas que despertam o interesse da maioria dos leitores decididos a se aproximar do livro, os motivos que fazem com que imensas quantidades de leitores passem o resto da vida relendo o livro são definitivamente de outra ordem.

Porque o Ulysses mudou a história do romance. E pode até ter dado cabo dela. E este livro pretende também te fazer ver como isso aconteceu.

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SIM, EU DIGO SIM – UMA VISITA GUIADA AO ULYSSES DE JAMES JOYCE

Autor: Caetano Galindo
Editora: Companhia das Letras
Preço : R$ 38,43 (376 págs.)

 

 

 

 

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