Literatura

Juncos ao vento

28 setembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Grazia Deledda

Grazia Deledda

Juncos ao vento é uma das grandes obras de Grazia Deledda (1871 – 1936), um dos principais nomes da literatura italiana do século XX e segunda mulher a ganhar o Nobel de Literatura.

O livro ganhou, no Brasil, nova tradução, feita por Maria Augusta Mattos, publicada em março deste ano pela recém fundada editora Carambaia. O volume conta também com ensaio da professora Maria Teresa Arrigoni.

Trata-se de uma narrativa que resguarda o microuniverso sardo, utilizando suas paisagens, física e cultural, para discutir questões humanas que extrapolam a geografia insular. A autora conta a história das irmãs Pintor, imersas na ruína que é também personificada na figura de Efix, seu leal serviçal, remanescente de um ido período abastado. Uma forte esperança de dias melhores surge com a chegada de um sobrinho, personagem cujo passado é desconhecido.

O texto de Grazia Deledda é característico pelo estilo direto, sem floreios, permeado por um humor amargo e fatalista. 

A novela transcorre em uma atmosfera ricamente detalhada. Alguns críticos acreditam que a narrativa guarda alguma semelhança com O leopardo, de Lampedusa, ao acompanhar o declínio de uma família nobre. Deledda reproduz a rotina cotidiana e as nuances de relações pessoais de um vilarejo na Sardenha.

Como aponta Alessandro Giannini, em artigo escrito para o jornal O Globo, o livro, todo em preto e branco, utiliza papéis de baixa gramatura, que garantem transparência e leveza, flexibilidade e maleabilidade, como os juncos que se movimentam ao sabor dos ventos nas colinas da ilha em que a história é ambientada”.

Graziella Beting, editora da Carambaia, entrevistada no mesmo artigo, explica o diferencial editorial proposto: “Cada livro é tratado como um projeto único, em que uma equipe formada por um tradutor, um especialista e um corpo de designers se reúne para decidir que caminho seguir. O caso de ‘Juncos ao vento’ é emblemático porque mostra o tanto de liberdade que damos a eles para trabalharem, dentro, claro, dos limites do nosso parque gráfico e das matérias-primas que temos à disposição”. Em seu site, a Carambaia apresenta sua proposta de trabalhar com “obras que continuarão relevantes por décadas ou séculos”. Os editores dizem: “Procuramos ‘furos’ literários, textos excelentes que merecem uma nova ou inédita edição no Brasil, e buscamos tradutores e designers que desenvolvam um projeto especial para cada uma delas. Desse modo, queremos dividir com o leitor aqueles livros que gostaríamos de ler, comentar, sugerir e presentear, e ao mesmo tempo criamos um catálogo que servirá como garantia de traduções e edições de qualidade e em pequenas tiragens numeradas”.

Grazia Deledda nasceu na Sardenha, mas mudou-se para Roma em 1900. Ganhou o Prêmio Nobel em 1926. Suas narrativas comumente debruçam-se sobre a vida camponesa de sua região natal, através de uma prosa peculiar por seu lirismo intenso. Por entre considerações físicas e metafísicas, suas personagens provam de uma singular urgência abstrata, sem, porém, arrogarem-se cientificismos filosóficos.

Andréia Guerini, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina, em resenha, publicada na Revista Estudos Feministas, do romance Cosima, comenta, sobre Deledda: “A Sardenha, suas paisagens, lendas e personagens são uma constante nos escritos dessa escritora […]. A aderência à realidade, mas também o interesse pelos elementos psicológicos, místicos e supersticiosos caracterizam a sua intensa produção literária. Embora os traços típicos das correntes naturalista e decadentista estejam bastante presentes na obra de Grazia Deledda, os temas do amor, dor, morte, religião, somados a lugares, figuras, paisagens, são combinados de tal maneira que tornam problemática a aplicação mecânica de certos rótulos. Não por acaso, a parte mais famosa da justificativa do Prêmio Nobel, elaborada pelo júri e lida durante a cerimônia de entrega, diz que Deledda fora escolhida ‘Pelos seus escritos idealistas inspirados com claridade plástica das vivências na sua ilha natal, e com profundidade e simpatia pelos problemas humanos em geral’”.

Canne al vento foi publicado originalmente em 1913. O livro já havia sido publicado no Brasil, em 1964, com o título traduzido como “Caniços ao vento”.

Louise Katainen, da Auburn University, em análise do romance escrita para a World Literature Today, diz: “Uma qualidade onírica envolve a história. O passado é presente e o futuro aparentemente será sempre como o passado. No estilo sutilmente lírico de Deledda, o passado tanto é algo a ser venerado como um obstáculo ao crescimento individual e social. Assim, as tradições duradouras são igualmente uma armadilha e um tesouro. Na Sardenha de Deledda, a vida continua em ciclos eternos dominados pelas estações da natureza. A principal ferramenta estilística de Deledda é o símile, que ela emprega abundantemente. O mundo humano é comparado com as coisas da natureza: terra, vegetação, pássaros e animais. Em sentido oposto, o mundo natural é antropomorfizado, de modo que se torna tão vivo e sabedor como as pessoas que o habitam. Assim, a divisão entre os humanos e os mundos naturais é esbatida; os dois se fundem para produzir um todo panteístico. O que Deledda tenta transmitir, unindo os mundos da natureza e da sociedade humana é que, para os personagens deste romance poderoso tanto o natural como o humano são partes indispensáveis inseparáveis do seu universo conhecido. Deledda é bem-sucedida a retratar uma sociedade em transição lenta, uma sociedade incrivelmente distante da dos tempos modernos. Antigas tradições, superstições e uma estrutura social feudal aparentemente imóvel bloqueiam a adaptação às novas circunstâncias. Embora separada da costa ocidental da Itália por apenas cerca de 150 milhas de mar, a Sardenha que Deledda evoca é uma ilha povoada por alguns nobres anacrónicos e uma maioria de camponeses empobrecidos e fatalistas, que parecem presos num mundo imutável de miséria que se auto perpétua. Eles são, como sugere o título do romance, juncos inclinando-se ante os ventos do destino, incapazes e/ou não dispostos a alterar a trajetória do percurso das suas vidas”.

 

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“Nós somos juncos, e o destino é o vento”.

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juncos

 

 

JUNCOS AO VENTO

Autor: Grazia Deledda
Editora: Carambaia
Preço: R$ 71,16 (224 págs.)

 

 

 

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