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Pelo diálogo racional

14 janeiro, 2016 | Por Isabela Gaglianone

“A filosofia militante que tenho em mente é uma filosofia em luta contra os ataques, de qualquer lado que venham – tanto daquele dos tradicionalistas como daquele dos inovadores –, à liberdade da razão esclarecedora”.

'A morte de Marat", pintura de Jacques-Louis David, 1793

‘A morte de Marat”, pintura de Jacques-Louis David, 1793

Para o intelectual italiano Norberto Bobbio (1909-2004), não há política sem cultura. Publicado originalmente em 1955, chega agora ao Brasil uma boa edição do livro Política e cultura, lançado pela editora Unesp, com tradução de Jaime A. Clasen e introdução e organização de Franco Sbarberi. Coletânea de quinze ensaios, faz questionamentos profundos e atuais, como: “Qual o papel do intelectual quando as posições extremadas parecem turvar todo o debate?”; ou: “Qual a relação entre cultura e política em uma sociedade democrática?”.

O livro foi escrito durante a Guerra Fria e é marcado pela aflição política daquele momento na Itália. É considerado um dos principais livros de Bobbio, testemunho de suas reflexões sobre um  novo liberalismo ideal, que seria sensível aos temas da justiça social, porém convicto também sobre a necessária exigência de limitação constitucional e controle permanente dos poderes do Estado por parte dos cidadãos. 

O intelectual aqui propõe uma reconstrução teórica da autonomia, do respeito e da responsabilidade individual. A cultura, nesse sentido, desempenharia papel fundamental, por significar, para Bobbio, ponderação, circunspecção e medida, pois fruto de diálogo e argumentação – segundo ele, o homem de cultura está mais preocupado em disseminar as dúvidas do que em apontar quaisquer certezas; o que não significa alheamento ou pudor em tomar partido, mas, ao contrário, a defesa da possibilidade de não aceitar polarizações, submetendo-as ao escrutínio da razão. O livro, portanto, traça a necessidade da construção de caminhos para o diálogo e para a crítica, em tempos de fundamentalismos e intolerância.

De acordo com Katia Saisi, ao “se recusar simplesmente a escolher entre posições extremadas, o autor italiano traça a figura do intelectual que, talvez ainda mais do que em seu tempo, é fundamentalmente necessário neste século XXI: o mediador que trabalha tendo como referência a virtude da tolerância e, como método, o diálogo racional. Essa posição assumida de um intelectual que funciona como consciência crítica do poder o leva a esboçar então uma teoria da democracia”.

Bobbio foi professor de filosofia do direito e de filosofia política e um dos mais importantes intelectuais do final do século XX. Defendia uma “política da cultura” que fosse além da defesa da liberdade: também defesa da verdade. Pois para ele, não haveria cultura sem liberdade, menos sem espírito de verdade; a ofensa mais comum à verdade são as falsificações dos fatos ou o tolhimento da razão.

Política e cultura testemunha sua vontade de perseguir um fluxo de diálogo, que, então, em plena Guerra Fria, parecia definitivamente comprometido. O medo terrorista retoma a questão com força, colocando em jogo a promessa da não manutenção da democracia. Há como pano de fundo da discussão, uma polêmica com a teoria gramsciana do intelectual orgânico que marca sua distância da concepção da cultura apolítica. Sua defesa metapolítica da visão liberal de limitação dos poderes do Estato é influenciada pelo conceito, de Benedetto Croce, da filosofia como momento metodológico da historiografia.

 

bobbio

 

 

POLÍTICA E CULTURA

Autor: Norberto Bobbio
Editora: Unesp
Preço: R$ 44,80 (424 págs.)

 

 

 

 

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