Crítica Literária

Um desdobramento possível: Vilas-Novas e Monteiro

15 outubro, 2016 | Por Isabela Gaglianone
Guignard

Guignard

Por um desdobramento possível, as Flores de vidro, da mineira Geny Vilas-Novas, encontram um interessante contraponto n’O que não existe mais, do paranaense Krishna Monteiro, se os propomos a dialogar sobre a ausência, tema tônico para ambos autores, no romance da primeira e nos contos do segundo. Cada qual à sua maneira, com profundidade e lirismo, encaminha sua prosa por entre formas que o sentimento de perda pode assumir: a morte, a separação, as mudanças, o tempo passado, a irrealidade, a desilusão, o que passa e o vão que deixa como rastro que marca fundo uma existência. Cada um destes dois autores brasileiros, à sua maneira, exprime o convívio vívido, cotidiano, da negação que surge do confronto espontâneo entre a translucidez daquilo que não mais existe e a concretude, vítrea, de sua percepção. Ambos retumbam silêncios e, neles, esculpem personagens que sofrem a nostalgia de tempos idos, repleta de sutis sinais, muitas vezes apenas sugeridos, que tecem o fio do relato do passado.

Os dois livros, emocionalmente densos, reúnem elementos afetivos concretos a esta nostalgia; Krishna Monteiro, com tom irônico, suscita em seus contos uma sensação fantasmagórica cujo senso de humor noir perpassa veredas lúdicas, que por vezes tocam o surreal e que beiram sempre o obscuro – a névoa, o que há debaixo da espuma do mar, a iminência do ato suicida, as tintas antigas, um ontem distante. Geny Vilas-Novas, com uma prosa delicada, de um lirismo límpido, ilumina os detalhes em que o olhar que quer situar-se em relação ao passado demora-se, em contemplação que é-lhe narrativa sensorial de tudo o que o tempo leva – criando um movimento espiralado que resguarda em si a eternidade enquanto entrelaçamento de diversos tempos, de diversos passados, memórias sobrepostas que deflagram uma rima interna de melancolia visceral.

Giorgio Agamben, em seu livro A ideia de prosa, conta a história de Damáscio, o último escolarca da escola filosófica de Atenas, que, frente ao então anunciado fechamento da escola: “Fechou-se na sua casa da parte norte da cidade, em companhia de um escriba grego e de uma criada síria, e decidiu consagrar os últimos anos de sua vida à redação de uma obra que intitularia Aporias e soluções em torno dos princípios primeiros”. Uma noite, “enquanto escrevia, lhe veio subitamente à ideia a imagem que – assim lhe pareceu – o havia de guiar até a conclusão da obra. Não era, porém, uma imagem, mas qualquer coisa como o lugar totalmente vazio no qual apenas as imagens, um sopro, a palavra, poderiam eventualmente acontecer; não era, assim, nem sequer um lugar, mas por assim, dizer, o lugar do lugar, uma superfície, uma área absolutamente  lisa e plana, na qual nenhum ponto se podia distinguir de outro”. Damáscio, então,

“levantou por um instante a mão e olhou a tabuinha sobre a qual ia anotando o curso dos seus pensamentos. De repente, lembrou-se do livro sobre a alma em que o filósofo compara o intelecto em potência a uma tabuinha sobre a qual não está escrito nada. Como ele não pensou nisso antes? Era isso que, dia após dia, tentara apreender, era isso que, sem descanso, tinha perseguido no breve lampejo daquele halo indiscernível, cegante. O limite último que o pensamento pode atingir não é um ser, não é um lugar ou uma coisa, mesmo despojados de qualquer qualidade, mas a própria potência absoluta, a pura potência da própria representação: a tabuinha para escrever!”

Assim como na palavra sobra sempre algo a exprimir – ela presentifica, porém resguarda-se, naquilo que exprime, enquanto potência – e como na representação o próprio vazio é potência absoluta, princípio primeiro de um início possível de conhecimento de si próprio em relação ao mundo, a ausência é indício e potência silenciosa de existência. Damáscio, para quem aquilo que não podia cessar de se escrever era a imagem daquilo que nunca cessava de não se escrever, lembra algo que tanto os contos de Monteiro como o romance de Vilas-Novas deixam, por entre frestas de uma luz em leve movimento, entrever: a analogia entre a folha em branco, potência absoluta, e a ausência, concretude da negação. Analogia que carrega em si de maneira fugidia um princípio de destino infinito, retorno incessante, irresolutamente aberto e fechado à experiência, ambivalente e recíproca, da memória em relação ao imediato e do pensamento, que adere a ambas, na narrativa do ser.

“A verdadeira imagem do passado”, diz Walter Benjamin em suas reflexões “Sobre o conceito de história”, “passa por nós de maneira fugidia. O passado só pode ser apreendido como imagem irrecuperável e subitamente iluminada no momento de seu reconhecimento. ‘A verdade não nos foge’: essa fórmula de Gottfried Keller assinala, na concepção da história própria do historicismo, precisamente o ponto em que essa concepção é destruída pelo materialismo histórico. Porque é irrecuperável toda a imagem do passado que ameaça desaparecer com todo o presente que não se reconheceu como presente intencionado nela”. Benjamin fala da articulação histórica do passado, que não significa reconhecê-lo tal como foi, mas apoderar-se de uma recordação. O sentido amplo benjaminiano, aqui deslocamos e concentramos na experiência subjetiva não do sujeito histórico, mas da individualidade de consciência existencial do ser em relação a si, à sua história particular e emocional. O deslocamento ilumina a incorporação do passado no presente vivido: a ausência presente, que acompanha o sentimento de perda e que é experienciada pelas próprias narrativas do tempo através da memória. O que não é mais traz, em si, a essência de sua presença assimilada pelo outro, existindo em diferentes camadas semânticas, sempre consciência da contingência humana. Ausência fantásmica, pois existente, volta-se sobre si mesma enquanto duplo da memória – índice “concreto” enquanto vácuo, espaço vazio que assim permanece e resguarda-se.

Como bem pontua Noemi Jaffé, na apresentação ao livro de Krishna Monteiro: “O que não existe mais, quase sempre, é o que subsiste”. Nestes contos, a própria ausência torna-se personagem freático, o constante flerte, daquilo que não existe mais com a vivência concreta e material do mundo dos objetos, cria a tensão de suave dissonância que os atravessa. O primeiro conto assim abre o livro: “Na primeira vez que te vi depois de tua morte, tu estavas na sala, de pé em frente à minha estante e aos meus livros”. Soco surdo da ausência, que resiste nos retratos ou mesmo na ordem que alguém deu aos livros. “Sem dar-me conta da distância, dos mundos a nos separar, sem ponderar que talvez o conhaque ou os cigarros ou os vapores da noite aos quais me submetia fossem os responsáveis por teu regresso, desci os degraus que davam para a sala do sobrado da Rua da Várzea, onde tu, eu e ela (lembras dela?) por tanto tempo moramos. Corri possesso pelos degraus, lancei-me à tua frente e interpelei-te com uma bravura que em mim nunca pulsou durante todo o tempo em que estiveste entre os vivos. Sim, interpelei-te, olhos nos olhos, o meu bafo áspero a arranhar teu semblante, e disse-te com ares de bêbado soberano: ‘Que direito tens tu de mexer em meus livros?’. E então tu me olhaste de cima a baixo, me deste as costas e prosseguiste em teu lento e indiferente trabalho de violação”.

A ausência do que não existe mais é também uma segunda existência: e nos contos de Monteiro nada fica sem consequências; relacionando-se entre si, são trabalhos de escavação dos limites entre nostalgia, memória, sonhos, um futuro condicional e suas persistências naquele que os narra. Com lirismo, o autor cria um equilíbrio lúdico entre o futuro do pretérito – como em “quando dormires, cantarei”, ausência retumbante – e o futuro do presente – “se eu fosse você”, condicional retórica -, equilíbrio entre temporalidades distintas que marcam o inconformismo do subjuntivo, equidistantes do presente fulminante do título. Título bastante poético, cuja sensação de presença ressoa no advérbio final: o que deixou de existir, vazio oco, cujo contornos permanecem nítidos e concretos.

Das brumas, no mundo destes contos, os objetos, as pessoas e as lembranças surgem como perfumes, frases rabugentas, um rabo de sereia. Com uma melancolia delicada, caminham livremente entre o real o e imaginário, entrelaçando os sentidos e a memória – o que é absolutamente plausível pois, neles, quem fala é a pura subjetividade, a sutil relação entre sentimentos e tempos. Dentre os sete contos que compõem o livro, um ocupa quase a metade do volume: “Monte Castelo”, em que o narrador personagem, lembrando em primeira pessoa sua infância, parece compor enquanto fragmento de memória outra peça da história do mesmo narrador personagem que aparecera no primeiro conto – cujo título dá nome ao livro. A continuidade da história através de fragmentos de lembranças táteis e afetivas, portanto vivificadas, ao longo dos contos, confere ao livro uma poética da repetição, um movimento de coda musical, de retomada, repetição que guarda em si, porque sensação fugaz mas necessária, o germe da diferença. Articulados a estes dois contos, os outros formam um poético panorama do que não existe mais – uma vida, um sonho -, lacunas vivas na pele de quem sente a ausência, à maneira das palavras, materializações efêmeras das coisas ausentes, dos conceitos impalpáveis – assim como a epígrafe que inicia este conto maior: “Escrever é tantas vezes lembrar do que nunca existiu”, frase de Clarice Lispector. É doloroso como o narrador lembra de seu avô e sua lembrança é recriação de si, tentativa de conferir sentido ao passado que sobra no presente – “pois recordar não é lembrar o que, tantas vezes, nunca existiu?”.

“Era sempre assim. A festa dos primeiros dias logo após nossa chegada não demorava a ceder lugar a um ar ápero, penoso de se respirar. E com o tempo, elas, feitas da mesma matéria e carne, tão semelhantes em tantas coisas e talvez por isso mesmo irredutíveis, inconciliáveis, cessavam a conversa, delimitavam espaços, calavam-se. Dias se passavam. Entro na casa com meu avô e as encontro na lembrança: estavam na sala, sentadas em vértices opostos, rostos colados à janela, protegidas e margeadas por móveis, aguardando-nos, os dois, para jantar. Tão semelhantes: magras, cabelos negros emoldurando ângulos retos de seu rosto, mãos contraídas sobre o colo, costas rígidas, retesadas, prontas para o combate. Sua visão – penso hoje – me lembra talvez a de uma única mulher cindida. Quando a fase de luta fria se esgotava, cedendo por fim lugar aos gritos, às ofensas, às lágrimas, meu avô e eu tratávamos de prolongar ainda mais os passeios. Muitas vezes, conversávamos. Noutras, nos sentíamos perfeitamente à vontade nos silêncios, e talvez seja por isso que até hoje a ausência de qualquer som me conforte. O silêncio. Sempre o busquei. Dia a dia, o silêncio se tornava mais e mais rarefeito, a ponto de não adiantar passarmos às vezes longas horas pelas ruas, pois ela, a batalha, ela já eclodira, e a sentíamos mesmo de longe pulsar em nós: transbordando os limites, cruzando a cidade, nos atingindo como uma vaga, selando, ainda que temporariamente, o fim. Voltamos. Abrimos a porta. Minha mãe aprontava as malas”.

 

No romance de Geny Vilas-Novas, a ausência trama relações líricas entre a memória e a renúncia: suas flores de vidro são delicadas e agudas. A metáfora espirala-se, abarcando a nostalgia da protagonista de sua infância, passada ao lado dos pais e dos irmãos, no Sítio de Cima, em sua “casa de vidro” – que é morada eterna dos constantes passeios que sua memória faz por aquele passado -, e também de seus dois filhos, ambos na iminência de partir para viverem em outros países, longínquos.

“Criamos nossos filhos para o mundo? Ou as uvas estão verdes? Quando o Filho disse que iria morar no Japão, a Mãe sentiu o impacto de um soco no estômago. Embaixo dos pés, a terra estremeceu. A vista turvou-se um pouco. Doeu o abdome e, a cada vez que lembrava, a dor voltava. Passou a nadar encurvada. Pressionava a barriga, com as mãos sobrepostas. Puxava o ar com dificuldade. Parecia que os pulmões estavam atrofiados. O coração se transformou em uma bolha, e esta bolha foi envolvida numa lâmina fininha de sangue. Não consegui chorar, mas o coração palpitava, palpitava, palpitava. A palavra, angústia, criou dimensões imensuráveis. A Mãe sabia que depressão matava, não sabia como. Agora, sabe”.

A narradora por vezes funde-se discretamente à protagonista, intercalando verbos em primeira pessoa à correnteza da narrativa em terceira, causando um estranhamento que compõe a complexa relação de distância de seu olhar.

A personagem principal não ganha nome, senão “Mãe”, metonímia que é chave lírica da tonalidade do romance, da delicada relação entre fragmentos e totalidade. O mesmo ocorre com todas as outras personagens: o “Filho” e sua esposa, a “Nora de olhos Cor de Ônix”, a “Filha de Olhos de Cor de Esmeralda” e seu marido, o “Genro de Olhos Cor de Âmbar”, os irmãos da protagonista recebem o apelido que a irmã mais velha lhes colocara quando crianças: “Peixinho Dourado” e “Peixinho Prateado”, seus pais recebem o epíteto, “lapidados em gemas raras”. Os nomes-descrições são exemplos simbólicos de quão sensorial é o discurso do romance de Vilas-Novas, característica que se alastra por toda a percepção de mundo de sua delicada protagonista.

O romance é todo permeado por uma extrema sensorialidade, ele é fenomênico, pontuado pelos silêncios de suas imagens translúcidas, através das quais é possível que se entrevejam vultos, ou outros mundos. E, ao passo que seus pais eram de pedra, “lapidados em gemas raras”, suas referências sólidas, assim como o é seu passado, que constantemente é revivido em seu presente, a própria personagem torna-se vidro: “O sofrimento deixou a Mãe vulnerável. Agora ela é de vidro, por qualquer coisinha pode estilhaçar, e ferir outras pessoas”.

A poética de suas imagens de vidro colocam à disposição da imaginação sensações muito profundas. Adentrando a redoma da protagonista, refúgio onírico da casa de vidro de sua infância – seu abrigo, que resguarda a síntese do imemorial com a lembrança, que interpenetra, no curso de seus dias, memória e imaginação, os tesouros dos tempos idos, cujas lembranças são proteção -, encontram-se muitas camadas semânticas, que coexistem como em uma polifonia de ressoares: as lembranças da infância e da família, a angustiante observação dos filhos enquanto preparam-se para partir, a escrita de um livro pela protagonista, que é escritora, as histórias da mitologia indiana que ela está lendo e cujos deuses, ao longo de seus dias, tornam-se seus personagens e seus duplos, adentram a sua imaginação vívida e amalgamam-se ao seu presente: todas estas camadas entrelaçam-se e ressoam silenciosamente. A Mãe protege-se do “abandono” dos filhos buscando sua história mais remota. Uma casa de vidro, porém, é uma casa ambígua; a proteção, própria ideia de casa, nela, se inviabiliza: uma casa translúcida, da qual tudo se vê; uma casa frágil, que pode quebrar, que pode tornar-se cortante, perigosa. Enquanto casa da memória e da nostalgia, o vidro torna a ausência presente, visível. A casa de vidro metaforiza a necessidade recíproca de fechar-se no ser e sair dele. A flor de vidro, ao lado da imagem da casa, acrescenta-lhe a relação com o tempo, a sensação de sua passagem fugidia, sua cristalização enquanto memória, ou enquanto desejo: “A Mãe tem medo do tempo, sabe que ele conspira contra ela”.

 

“A Mãe sonhou que ao lado do computador onde estava escrevendo nasceu uma flor de vidro. A flor era enorme e pontiaguda. Assustada, com medo de se ferir, segurou-a firma, com as duas mãos. As pétalas eram macias e cheirosas. O aroma exalou-se, perfumou a casa. A Mãe chamou o Pai, ele olhou com naturalidade e falou: Cresceu aí um pé de magnólia. Ela saiu intrigada para o jardim, e todas as flores que encontrou eram também de vidro. Os buquês das murtas, dos agapantos, os lírios do brejo, do Amazonas, as ramagens de jasmins. As flores miudinhas pareciam pingos de chuva, de tão transparentes. Os pássaros que cantavam nas árvores eram de cristal, de lápis-lázuli, de turmalina e de topázio. As joaninhas, as libélulas e as cigarras; joias raras. Os camaleões, de intenso furta-cor, correram desajeitados e se meteram entre as frestas.

A Mãe acordou suada e esfregou os olhos. Ainda meio adormecida, se sentiu uma bolha maleável, que acabara de sair da boca de uma fornalha. As brasas e as labaredas incandescentes clarearam as paredes do quarto.

Não são os sopros que moldam os vidros. E o que é a vida além de um sopro?”

 

O sopro, apesar de efêmero, infla o vidro e lhe dá forma. Forma de tempo cristalizado em memória e história – tempo de ser, no mundo. Dentre as camadas de significado abertas por esta espiral semântica, resiste uma melancolia que perpassa as imagens do livro e que encontra também – outra passagem do diálogo entre interior e exterior proporcionada pelas metáforas vítreas – um espelhamento com a paisagem: o Rio Doce é também uma camada silenciosa desta trama polifônica. “Dentro da Mãe mora uma criança, e esta menina insiste em não ir embora e, pior ainda, não abandona o Sítio de Cima. Onde foda o Sítio de Cima? Fale! O Sítio de Cima virou pó. Também não larga o Rio Doce secou. A Menina é obsessiva. Fazer o quê? A Mãe está condenada a conviver com ela, o resto da vida. Não é triste? Cansou de colocá-la no papel e dizer: Fica! A menina é surda e cega. Parece que é lesa. Não adianta fechar a cara. Levanta das páginas escritas, para martirizar a coitada da Mãe”.

Flores de vidro, junto com outros dois livros da autora, forma uma trilogia metafórica de pessoas que moravam perto do rio. “É uma trilogia que desdobra a história do primeiro livro, Adeus, Rio Doce [Bom Texto, 2006]. Os dois são independentes, mas complementares. Uso os mesmos personagens”, disse Vilas-Novas em entrevista. O último livro da trilogia, De portas abertas [em produção], trata da tragédia sofrida pelo rio com o desastre ambiental provocado pela empresa Samarco, no ano passado: “Dois dias depois o Rio Doce era um mar de lama. Dourados de dez quilos boiando, levados correnteza abaixo. Surubins majestosos… Não era possível! A Mãe pôs as mãos em conchas sobre o rosto e soluçou. Secou as lágrimas, não vou chorar. Ele já existe desde que mundo é mundo e tem a seu favor os próximos milênios”. Assim como nos contos de Krishna Monteiro a ausência torna-se personagem freático, nos romances de Vilas-Novas tanto o rio, quanto toda a paisagem que abriga a personagem, seus sonhos e suas lembranças, são personagens também, com os quais a Mãe dialoga.

 

Flores de Vidro e O que não existe mais, de Monteiro, foram publicados no ano passado [2015]. Ambos lidam com fragmentos, por vezes estilhaços, de matéria lúdica que amalgama-se à realidade, que se vivencia. Por isso, ambos são prosas da duração. Desdobramentos da ausência presente, da melancolia que resta mesmo após o luto.

Fantasmas que abraçam, ao mesmo tempo, desejo e palavra. Capacidade latente de fazer aparecer como perdido um objeto inapreensível – objeto da intenção melancólica, simultaneamente afirmado e negado. As imagens do fantasma da melancolia são geradas a cada instante de acordo com o movimento ou a presença de quem as contempla. Em Geny Vilas-Novas, a experiência é o átimo da decisão em que o ser presente experimenta a própria finitude. Em Krishna Monteiro, no presente coincidem temporalmente as realidades sincrônica e diacrônica. Em ambos, o conceito perpassa a imagem de um tempo pleno e descontínuo.

 

 

 

O QUE NÃO EXISTE MAIS

Autor: Krishna Monteiro
Editora: Tordesilhas
Preço: R$ 21,60 (112 págs.)

 

 

 

 

 

 

 

FLORES DE VIDRO

Autor: Geny Vilas-Novas
Editora: 7Letras
Preço: R$ 28,80 (104 págs.)

 

 

 

 

 

 

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