Literatura

Wilson, de Daniel Clowes

5 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Uma das características mais interessantes de “Wilson“, graphic novel do norte-americano Daniel Clowes recentemente publicada no Brasil pela editora Companhia das Letras com tradução de Érico Assis, é que uma página não é necessariamente a continuação direta da anterior. Em outras palavras: é como se cada página fosse uma história isolada, mas que, unindo umas às outras, formassem um todo.

De fato, como disse o autor em recente entrevista a Raquel Cozer, repórter da Folha de São Paulo, as páginas de “Wilson” foram mesmo rascunhadas isoladamente, como se fossem tirinhas. Enquanto ia criando os desenhos e as falas, Clowes percebeu que tinha em mãos não apenas um personagem interessante, mas uma história com começo, meio e fim.

Wilson, o protagonista, é um quarentão solitário – ele vive apenas com Pepper, sua cachorrinha – que em diversas páginas interage de uma maneira muito peculiar com estranhos: educado no início e ácido no final. Haja vista a abertura da história, que vocês podem conferir abaixo (em inglês porque não consegui uma imagem da edição brasileira, mas a tradução vai a seguir; as falas da mulher estão em itálico):

(Clique na imagem para ampliar)

“Eu amo as pessoas.” // “Sou muito sociável” // “Cada um de nós tem uma história a contar e todos fazemos parte da grande família que é a humanidade. Que tragédia termos perdido a noção de comunhão com o próximo!” // “Olá, irmã, como vai?” // “Nem me fale! Meu computador acabou de travar e perdi todos os meus favoritos!” // “Passei a manhã com o suporte técnico me enrolando e quando finalmente consegui falar com um cara, ele não tinha nem ideia de qual era o problema.” // “Querem que eu faça download de um programa ou sei-lá-o-quê, mas toda vez que eu tento a porcaria do computador trava de novo…” // “Meu Deus, por que você não cala essa boca?”.

Ainda no início da narrativa, Wilson faz reflexões que parecem intuir o que está para acontecer. Ele lembra da morte da mãe; de quando era criança e seus pais se sentavam à beira de um lago (“eu não entendia bem o que eles tanto olhavam, mas acho que servia de combustível para o espírito, sei lá”); e da sua ex-esposa, que o abandonara dezesseis anos antes.

Sua rotina de sair para caminhar sozinho ou com Pepper, ir a cafés e ler jornal ou livros é modificada quando seu pai, com quem não tem uma boa relação, morre. É a partir desse fato que ele resolve partir em busca de sua ex-esposa, Pippi, e descobre que pode ter uma filha que não conhece.

Mas, ao contrário do que pode parecer, Wilson não muda com o tempo – talvez amadureça, mas não muda. Sua língua continua afiada, criticando a tudo e a todos – até sobre o “fim das livrarias” ele fala -, mesmo depois de se passarem anos, e de muita coisa acontecer, inclusive ele se tornar avô.

E talvez seja esta a maior característica de “Wilson”: fazer com que, mesmo sendo tão diferentes do personagem, os leitores se identifiquem com ele. É como se Wilson representasse nossas indignações e, quem sabe, nossos secretos desejos de sinceridade. Afinal, quem nunca se imaginou dizendo tudo o que tem vontade de dizer, não importando quem seja o interlocutor?

“Wilson” é mais uma prova de que as histórias em quadrinhos devem ser mais valorizadas e respeitadas como literatura. Ao terminarmos sua leitura, é quase inevitável fazer uma releitura. E, depois dela, é muito provável que o leitor sinta-se seduzido a ler novamente a história. Além de ter alta qualidade gráfica e textual, e de ser engraçado e melancólico, “Wilson” é, também, viciante.

(Rafael Rodrigues)

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