O romance “O processo“, de Franz Kafka (1883-1924), é uma das maiores obras de ficção de todos os tempos, um clássico da literatura universal. É assim que geralmente somos apresentados a este livro.
Comigo não foi diferente. A apresentação aconteceu quase dez anos atrás, quando era estudante de Letras. Quem me apresentou a Kafka – não apenas a mim, mas a toda a minha turma – foi nosso então professor Mayrant Gallo – que, além de um grande leitor, é também um excelente escritor.
Eu costumava anotar quase todos os livros e autores citados por Mayrant em suas aulas. Dessas recomendações saíram algumas das melhores leituras que fiz até o momento, incluindo aí “O estrangeiro”, de Albert Camus, “Ratos e homens”, de John Steinbeck e “O processo”, de Kafka.
Resumindo de forma bem grosseira, “O processo” conta a história de um homem, Josef K., que é acusado de um crime do qual não é informado, e por isso é processado. A memória me impede de ir mais além na sinopse – uma releitura se faz necessária e será feita em breve -, mas o que vem depois é simplesmente incrível. Kafka consegue mergulhar o leitor em um clima frio, duro, às vezes até sombrio.
Para ler “O processo” de cabo a rabo, tive de começar a lê-lo três vezes. Na primeira, fiquei pelas primeiras páginas. Na segunda, fui até a metade do livro. Foi somente na terceira tentativa que consegui ler a obra por inteiro.
Culpa do livro? De forma alguma.
Na primeira tentativa, eu tinha 19 anos. Estava começando a me tornar um bom leitor, digamos assim. Meses antes de ter em mãos “O processo” eu havia lido tudo o que me caíra na mão de Fernando Sabino e Carlos Heitor Cony, entre outras coisas. Leitor eu já era desde garoto, mas de gibis e revistas informativas. Livros não eram o meu forte, apesar de sempre ter gostado de ler. Talvez por isso não tenha conseguido me deixar levar por Kafka e sua história inusitada.
Da segunda tentativa não me recordo com tantos detalhes, mas lembro claramente de ter considerado uma vitória chegar à metade do livro. Isso deve ter acontecido em 2004.
A leitura completa só veio acontecer em 2005. E o impacto causado por ela durou dias. A partir daí, quis ler tudo o que pudesse de Kafka, e foi assim que li “A metamorfose“, “Um artista da fome” e diversos contos do autor.
Mas onde quero chegar com essa história, você pergunta. No título deste post, respondo. Para mim, e também para muita gente, cada livro tem seu “tempo certo”. Em 2002, quando tentei ler “O processo” pela primeira vez, eu não tinha as condições literárias, digamos assim, para lê-lo. Além da minha pouca bagagem cultural, havia o agravante de estar concentrado em autores brasileiros cujos livros se apegam ao cotidiano – principalmente os já citados Sabino e Cony -, justamente do que Kafka foge: do “normal”.
É por isso que, quando não consigo avançar na leitura de alguma obra, não me sinto culpado. Sei que talvez não seja o momento de lê-la, e não tenho o menor pudor de deixá-la para depois. Com o tempo aprendi que, muitas vezes, tentar forçar uma leitura, terminar um livro apenas por terminar, prejudica, e muito, o entendimento que se tem da obra. E também sua relação com ela.
Talvez se eu tivesse seguido adiante com “O processo”, em 2002, sua leitura não fosse tão marcante. Por isso, caro leitor, se você estiver às voltas com uma leitura por demais arrastada, não pense duas vezes: parta para outra.