matraca

Uma sofrida saga de abandono

4 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Uma prosa bonita e o entroncamento de diferentes solidões harmonizam-se na singularidade poética do livro A orquestra da chuva, do suíço Hansjörg Schertenleib. Diferentes tipos de solidão, tratadas de diferentes formas por diferentes pessoas constroem o enredo sereno, intimista e amargurado. O protagonista, um escritor suíço, mudara-se para a Irlanda com sua mulher, porém, lá, ela o deixou; completamente melancólico, imerso em uma dupla solidão, enquanto estrangeiro e recém divorciado, ele encontra uma mulher cerca de vinte anos mais velha que vive só e que resolve contar-lhe sua história para que ele a transformasse em um livro. As solidões encontram-se, num diálogo orquestrado sobre duas vozes e dois tempos: a narrativa passa a alternar momentos do presente com a narrativa da vida passada dessa personagem, que torna-se, então, uma segunda protagonista. A diferença de estilos dos dois protagonistas ao narrar suas experiências mantem-se ao longo do livro, fortalecendo a ideia de diálogo musical, num arranjo que entrelaça o contraponto na progressiva mudança na percepção do primeiro personagem sobre si e seu próprio presente.

As personagens são verdadeiras, verossímeis, humanas. A maneira por exemplo com que o personagem escritor lida com seu divórcio é dramático porque deixa-se à inércia do silencioso desespero das soluções corriqueiras e comuns, como praticar jogging pelos parques, dirigir durante as madrugadas, volta a fumar haxixe e a ouvir reggae, frequentar um grupo de apoio a maridos abandonados. O estado de dormência da profunda tristeza, do fracasso retumbante que paira sobre uma separação, é captado em toda sua profundidade já pelo título. O olhar lânguido do abandonado deixa-se levar pelas gotas, não em conjunto, mas separando-as lentamente, individualizando-as em nostalgia, pois o próprio tempo arrasta-se após a desilusão.

É uma sofrida saga de abandono, resignação, obstinação, permeada pela atenção a pequenas coisas que sustentam a poesia da beleza do mundo, como a luz mágica da Irlanda, ou os sons de gotas de chuva caindo em xícaras, copos, vidros, musicadas por uma sensibilidade lúdica. Esses entremeios lúdicos fazem com que o texto desenrole-se num tempo próprio, tempo único da solidão. Escrito de maneira misteriosa, meio fragmentada, em que o que de fato aconteceu muitas vezes é apenas sugerido, o texto expressa com delicadeza a amargurada tonalidade que toca o desmoronamento do futuro, substituído pelo simples vagaroso passar do tempo, que “passa devagar, mas passa”.

 

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