matraca

Drummond

31 outubro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

Carlos Drummond de AndradeNo dia 31 de outubro de 1902 nasceu um dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade. O Instituto Moreira Salles desde 2011 comemora o aniversário do poeta, com o evento “Dia D”, cujo intuito é fazer com que a data passe a integrar o calendário cultural brasileiro. Neste ano, o evento criou um roteiro de leitura, “Vida e verso de Carlos Drummond de Andrade”, elaborado por Eucanaã Ferraz: o roteiro pode ser lido e interpretado em qualquer lugar e requer quatro leitores, a saber, um narrador e outros três, que representarão diferentes fases na vida do poeta. No IMS do Rio de Janeiro, a leitura do roteiro será realizada hoje à noite, por Antonio Cicero, Alberto Martins, Afonso Henriques Neto e Joca Reiners Terron. Aqui em São Paulo, a Livraria 30porcento apoia a homenagem, dedicando o texto da coluna matraca ao livro A vida passada a limpo, recentemente relançado pela Companhia das Letras.

A vida passada a limpo foi publicado pela primeira vez no livro Poemas, de 1959, volume que reunia praticamente toda a poesia de Drummond até então publicada. Destacou-se como um dos maiores livros não só da obra do poeta mineiro, mas de toda a poesia moderna brasileira. São poemas um tanto alheios à sua conhecida lírica engajada, tratam do amor, da linguagem, da memória; aliam, a uma visão de mundo específica no panorama da vivência de mundo drummondiana, momentos de profunda reflexão e de plenitude poética, considerados poemas representantes de uma fase de maturidade estética de Drummond. É forte, ao longo do livro, a tese do desamparo, de matriz existencialista, a considerar, grosso modo, o homem como um ‘ser para a morte’, enfatizando a melancolia, a desesperança e o ceticismo como tônicas na obra. Há um conformismo desesperançoso com a condenação humana, sua condição mortal, desamparo ontológico. As temáticas dos poemas são variadas e, algumas, circunstanciais, como o poema “A Goeldi”.

O poeta Antonio Cicero, utilizando o título de Drummond como ponto de partida para refletir sobre o que é a poesia, escreveu: “Dizer que a poesia é a vida passada a limpo é dizer que a vida é o rascunho da poesia. Isso significa que o fim da vida é virar poesia. Por essa razão, longe de ser um meio (por exemplo, um meio de “expressão” ou de “comunicação”) para o poeta, a poesia é o seu fim. Dado que o fim subordina os meios, e não vice-versa, o poeta é um servo -um servo voluntário e apaixonado, é verdade, mas um servo da poesia. Nessa relação, não é ela que se inclina às conveniências dele, mas é ele que deve dobrar-se às exigências e aos caprichos – inclusive aos silêncios – dela”.

A vida passada a limpo

Ó esplendida lua, debruçada
sobre Joaquim Nabuco, 81.
Tu não banhas apenas a fachada
e o quarto de dormir, prenda comum.

Baixas a um vago em mim, onde nenhum
halo humano ou divino fez pousada,
e me penetras, lâmina de Ogum,
e sou uma lagoa iluminada.

Tudo branco, no tempo. Que limpeza
nos resíduos e vozes e na cor
que era sinistra, e agora, flor surpresa,

já não destila mágoa nem furor:
fruto de aceitação da natureza,
essa alvura de morte lembra amor.

(Carlos Drummond de Andrade)

 

 

A VIDA PASSADA A LIMPO
Autor: Carlos Drummond Andrade
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 25,90 (96 págs.)

 

 

 

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