Registro impresso da mostra homônima, o livro Cálculo da expressão aproxima as gravuras de Goeldi, Lasar Segall e Iberê Camargo a partir do reconhecimento da matriz expressionista em comum. Na exposição e consequentemente no livro, a pesquisadora e curadora Vera Beatriz Siqueira propôs um rico confronto entre os três artistas, mestres da xilogravura, através da contraposição de suas produções e também de suas diferentes visões do expressionismo. Segundo Vera, o intuito da exposição foi exibir “tanto as proximidades da expressividade na arte, quanto os caminhos individuais de cada um dos artistas. Os três trabalham com mesmo universo temático, o individuo no mundo, a solidão, a morte. Cada um lida com essas influências de maneira muito diferente”.
O livro, publicado pela Imprensa Oficial, apresenta os textos da interessante sugestão analítica da curadora e as obras dos três gravadores.
Semelhanças entre Goeldi e Lasar Segall já foram indicadas por outros críticos, porém a triangulação com Iberê Camargo é original e, inclusive, considerada a maior contribuição do livro – Iberê é tratado como “precursor de seus antecessores”, ao mesmo tempo em que a leitura de sua obra não pode prescindir do contraponto com seus antecessores.
O resultado é uma interpretação desdobrada do expressionismo no Brasil.
A curadora analisa: “Segall tem uma arte muito culta, com temas e assuntos sempre eruditos. Já Goeldi tem um gesto mais bárbaro, pegando o mundo pelas sombras, pelas franjas, retratando um Rio de Janeiro quase deserto, com ruas solitárias. Por fim, Iberê lida com a abstração, flertando com o gesto violento de Goeldi, mas não mais com a expressão romântica dele”.
A figura do excluído, do marginalizado, é um elemento em comum simbólico nas obras dos três artistas, pois, por surgir na produção de cada um de maneira tão diversa, é capaz de indicar de maneira significativa a personalidade que cada um imprimiu em seu trabalho. As notívagas personagens de Goeldi, vagam sem destino; as de Segall, resguardam o desconforto do estrangeiro, do emigrante, e moram em favelas; as de Iberê, que ele chamou “idiotas”, são disformes, apáticos, incapazes de reagir à realidade.
Vera Siqueira cita Ernst Gombrich [Meditações sobre um cavalinho de pau], segundo quem a premissa expressionista teria sido responsável pela “grande revisão da história da arte que ocorrera a partir de 1910’, vindo a reforçar ‘a mitologia que sempre havia dominado a história da arte desde Hegel”. Segundo a historiadora, “entrava em jogo, portanto, o problema da comunicação e da hermenêutica”. E assim ela explica o título da mostra: “Existe um hiato quase intransponível entre a intenção do artista, a realização da obra e a percepção do público. É apenas nesse espaço intermediário e fraturado que a expressão e a comunicação podem se realizar. […] O que requer, tal como indicamos no título desta exposição, um elaborado cálculo para a sua concretização. Pois o artista expressivo necessita retirar de sua obra toda alusão circunstancial, todo caráter particular do afeto, para tratá-lo como experiência antropológica básica”. Segundo ela, a ideia da mostra, portanto, teria sido a de “apresentar as gravuras dos três artistas a partir da inter-relação entre procedimento artesanal, processos de formalização e poética expressiva. A economia de meios de Goeldi, a formalização erudita de Segall, a concentração e a intensidade formal de Iberê seriam manifestações desse ‘cálculo da expressão”.
Autor: Vera Beatriz Siqueira
Editora: Imprensa Oficial
Preço: R$ 46,55 (160 págs.)