Boa publicação da Companhia das Letras – uma das poucas no Brasil que contempla o poeta, lançada pela primeira vez em 1986 e reeditada no ano passado –, esta edição bilíngue traz cinquenta dos principais poemas de W. H. Auden, traduzidos por José Paulo Paes e João Moura Jr. o livro é composto por textos escritos desde 1927, quando ele primeiro definiu publicamente suas posições estéticas no que ficou conhecido como “O Manifesto de Oxford Poetry”, até 1973, ano da morte do poeta. Selecionados por João Moura Jr., os textos procuram apresentar um panorama que abarque, conforme disse o organizador, “na medida do possível, as várias fases da obra poética de Auden, que foi um poeta prolífico”. A poesia de Auden partiu da experiência do modernismo, aproveitando a contribuição de Ezra Pound e T. S. Eliot, porém afastando-se do viés reacionário político expresso por ambos para expressar-se numa linguagem pessoal – que todavia não torna-se alheia às grandes questões de sua época. Além da tradução dos poemas, José Paulo Paes escreveu, para esta antologia, um estudo introdutório sobre a vida e sobre a poética do autor. O volume conta ainda com um interessante ensaio a respeito de Auden escrito pelo poeta russo Joseph Brodsky.
Arthur C. Danto, no texto “Art, Philosophy, and the Philosophy of Art”, definiu a poesia de Auden como “indistiguível de uma conversa comum” e, no artigo “The philosophical Disenfranchisement of Art”, recorre ao poema que Auden escreveu por ocasião da morte de W. B. Yeats: “Now Ireland has her madness and her weather still, / For poetry makes nothing happen”, verso sobre o qual Danto comenta: “Ninguém, eu suponho, nem mesmo o poeta visionário, esperaria que poemas líricos pudessem diminuir a umidade da Ilha Esmeralda e isto dá a Auden seu paradigma da impotência da arte”.
Segundo Daniel Piza, em artigo publicado no Estado de São Paulo, a produção poética de Auden “começa melodiosa, sob influência de Thomas Hardy, misturada ao uso de palavras extravagantes inspirado em Hopkins e Yeats. Auden partilha com Yeats também a combinação de imagens com ideias, mas Yeats é mais inventivo e intenso do que ele. Nos anos 30, esse filho de médico, nascido em York, criado em Birmingham e num internato em Surrey e graduado em biologia em Oxford, assimila de modo peculiar o marxismo que seduzia os intelectuais em tempos sombrios – como seus amigos Stephen Spender, Cecil Day Lewis e Christopher Isherwood – e leva para sua poesia uma crença no futuro que poetas como Eliot e Pound abominavam”. No final da década, houve uma mudança no otimismo que permeava a poética de Auden. Segundo Piza, esta foi a época de seu apogeu poético, “em especial, o maravilhoso poema “Em Memória de W.B. Yeats”, que se inicia com um verso memorável: “He disappeared in the dead of winter”, intraduzível para “Ele desapareceu na calada do inverno”, pois se perde a sombra de “dead”. São três partes, cada uma em métrica diferente; a terceira também tem uma abertura inesquecível: “Earth, receive an honoured guest:/ William Yeats is laid to rest” (sem rima: “Terra, receba um convidado de honra:/ William Yeats se deitou para descansar”)”. Piza conclui que nos poemas marcantes de Auden mistura-se “o bom poeta – de cadências agradáveis, métrica variável e palavras exatas, rimado e coloquial – com o intelectual público, o prosador crítico que trata de assuntos sérios ou eruditos com perspicácia e um dom de cunhar frases (como “clima de opinião” ou““era da ansiedade”) que só não supera os de Eliot e Yeats. É essa união entre o clássico e o moderno, o prosaico e o poético (aqui especialmente influente na poesia contemporânea), o privado e o público (crítico que era do homem comum e das autoridades), que é tão eficaz em Auden”.
A Companhia das Letras disponibiliza um trecho para visualização.
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Nor speech is close nor fingers numb,
If love not seldom has received
An unjust answer, was deceived.
I, deecent with the seasons, move
Different or with a different love,
Nor question overmuch the nod,
The stone smile of his country god
That never was more reticent,
Always afraid to say more than it meant.
O dedo não dorme, a fala não cessa
Quando amor recebe, bem amiúde,
Uma injusta resposta que o ilude.
Eu, a par das estações, vou indo
Sempre vário e com amor distinto;
Não questiono em demasia o aceno
E o sorriso pétreo deste ameno
Deus rústico que tem receio, sempre,
De dizer algo mais do que pretende.
(Trecho de “A carta” – “The letter” –, poema de dezembro de 1927, traduzido por José Paulo Paes)
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Autor: W. H. Auden
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 29,40 (264 págs.)