Trabalhar cansa foi o livro de estreia de Cesare Pavese (1908-1950), um dos escritores italianos mais importantes do século XX. Com um verso mais narrativo, aberto à prosa da vida cotidiana, as poesias aqui reunidas retratam as noites insones das cidades, povoadas pelas figuras de proletários, prostitutas, bandidos, bêbados e mendigos vivendo seus dramas diários.
Escrito no contexto da Itália fascista, Trabalhar cansa é um marco de renovação e revitalização da poesia italiana, até então dominada por tendências mais herméticas da “poesia pura”. Depois dessa primeira experiência poética, Pavese passou a dedicar-se quase exclusivamente à prosa, como em Diálogos com Leucó.
Nas palavras de Finazzi-Agrò – professor titular de literaturas portuguesa e brasileira na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade de Roma “La Sapienza” –, “se existe, com efeito, um escritor que habitou fundo e de forma integral uma ambiguidade sem saída, este foi com certeza Cesare Pavese”. Segundo a análise do professor, na obra de Cesare Pavese é possível perceber “que esse cansativo trabalho que é a existência, esse demorar incerto e penoso num limiar precário”, levou-o desde sempre a cultivar o “vício absurdo” da morte”, de modo que sua obra “pode ser olhada pelo avesso, na contramão da sua formação artística e da sua existência humana, a partir justamente do fim, daquele suicídio gritante no silêncio de um quarto de hotel. Porque aqui a morte é o remate fatal – o ápice, talvez – de uma vida vivida na paralisia do não-lugar, no espaço oco e angustiante da insuficiência”. Finazzi-Agrò pontua ainda: “[…] balançando entre verso e prosa, entre romance e poema, o escritor conseguiu, nesse sentido, dar voz ao seu dilacerante sentimento de inadequação, à angústia de uma condição dolorosamente imperfeita, desembocando no tédio de viver de forma sempre parcial e partida”.
No Brasil, o livro foi publicado em 2009, em coedição entre a editora 7 Letras e a Cosacnaify. Uma bela edição bilíngue, que reúne 70 poemas, escritos ao longo de dez anos, nos quais acompanha-se as etapas de constituição da poética pavesiana, desde os versos narrativos – radicalmente objetivos e mesmo antilíricos –, até a melancolia e solidão característicos da sua última fase. O livro conta com um posfácio em que o próprio Pavese explicita seu projeto poético durante a época da composição do livro.
A cuidadosa tradução, feita por Maurício Santana Dias, ganhou o terceiro lugar do Prêmio Jabuti. O tradutor, que é o professor da Universidade de São Paulo, é também responsável pelo texto de prefácio do livro, um excelente estudo introdutório. Segundo ele, a ideia central da poética pavesiana era “tentar fazer a poesia aderir à experiência e buscar romper o cerco de alienação que teria apartado a arte da vida, restituindo à experiência moderna um sentido pleno, sem recorrer a nenhum tipo de transcendência”. Para isso, Pavese refutou o verso livre e adotou o anapesto, um tipo de versificação, de origem greco-latina, composta por duas sílabas breves e átonas seguidas de uma sílaba longa e tônica: o que possibilitou-lhe apreender o real e dar-lhe uma forma precisa – contrária à dispersão, típica do cânone modernista. Segundo o tradutor, “nem mesmo nos poemas finais Pavese abre mão do seu ritmo monocárdio, do verso martelado em baixo contínuo”.
Pavese teve participação na famosa equipe intelectual composta por Elio Vittorini, Italo Calvino e Natalia Ginzburg, cuja atuação foi expressiva no mercado editorial italiano através do trabalho na Editora Einaudi. Apesar de seu distanciamento da política, o nome de Pavese integra o grupo de intelectuais antifascistas piemonteses, formado por Giulio Einaudi, Massimo Mila, Leone Ginzburg, Giulio Carlo Argan, Norberto Bobbio.
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Trabalhar cansa
Travessar uma rua fugindo de casa
só um menino o faria, mas este homem que passa
todo o dia nas ruas não é mais menino
e não foge de casa.
Em pleno verão,
até as praças se tornam vazias de tarde, deitadas
sob o sol que começa a cair, e este homem que chega
por um parque de plantas inúteis detém-se.
Vale a pena ser só para estar cada vez mais sozinho?
Simplesmente vagar, pois as praças e ruas
estão ermas. Forçoso é abordar uma mulher
e falar-lhe e fazê-la viver com você.
Do contrário, se fala sozinho. É por isso que às vezes
algum bêbado à noite dispara discursos
e repassa os projetos de toda sua vida.
Certamente não é esperando na praça deserta
que se encontram pessoas, mas quem anda nas ruas
se detém vez ou outra. Estivessem a dois
mesmo andando na rua, sua casa estaria
onde está a mulher. Valeria a pena.
Mas de noite essa praça retorna ao vazio
e este homem que passa não vê as fachadas
entre luzes inúteis nem ergue seus olhos:
sente só o ladrilho que outros homens fizeram
com mãos secas e duras, assim como as suas.
Não é justo deixar-se na praça deserta.
Com certeza há de andar pela rua a mulher
que, chamada, viria ajudar com a casa
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Autor: Cesare Pavese
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 51,80 (400 págs.)