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古悠悠行

21 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Bilíngue, a Antologia da poesia clássica chinesa, coletânea que contempla a poesia realizada sob a dinastia Tang (618 – 907), é a mais abrangente já publicada em língua portuguesa. Reúne mais de 200 poemas de mais de 30 autores, incluindo algumas mulheres, como Li Ye, Xue Tao, Yu Xuanji. Entre os autores, destacam-se os três principais nomes da poesia daquele período: Li Bai, Du Fu, Wang Wei. A tradução contempla também escritores como Bai Juyi, Meng Haoran, Li Shangyin, Du Mu, Liu Yuxi, Cen Shen, Wen Tingyun e Li He. A Dinastia Tang é considerada a “idade de ouro” da literatura chinesa clássica, período em que as experimentações formais e linguísticas atingiam o seu auge e cunharam modelos clássicos que perduraram até a chegada do modernismo no século XX. Os tradutores, Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao, apresentam na cuidadosa edição da Editora Unesp uma introdução histórica, notas explicativas e resenhas sobre os autores. O trabalho introdutório aborda ainda questões de teoria literária e da teoria da tradução, apresentam aspectos estruturais da poesia clássica chinesa, expõem os conceitos de paralelismo, tradução-recriação, tradução estrangeirizante – tomando como bases teóricas textos de Walter Benjamin, Roman Jakobson, Haroldo de Campos, François Cheng, Ezra Pound, Octavio Paz.

Sobre a estrutura do poema clássico chinês, Ricardo Primo Portugal, em artigo publicado na Revista Zunái mostra como as pesquisas formais e estudos linguísticos haviam chegado a um elevado grau de refinamento, seguindo uma codificação e definição precisa das formas em uso. Segundo ele, o “octeto regular lüshi é a forma que serve de referência às demais do chamado “Estilo Novo”, característico da Dinastia Tang. Sua estrutura representa uma unidade semântica e sintática complexa, na qual se verifica a consolidação de séculos de desenvolvimento da poesia e da teoria literária”. O tradutor explica ainda que a “unidade mínima do octeto é o dístico, 对联 (duilian). Ele é organizado sobre o princípio do paralelismo, que consiste em uma estrutura de dois sintagmas em relação de “espelhamento”, em correspondência entre seus elementos constituintes. As classes/funções gramaticais dos versos em paralelismo se correspondem, termo a termo. Apõe-se, assim, uma leitura vertical, paradigmática, que se cruza ou complementa à leitura horizontal, sintagmática. Esse princípio de utilização da linguagem foi abrigado pela poesia clássica, mas está presente em usos quotidianos da língua. Sua tendência a marcar momentos discursivos “especiais” – dísticos nos portais das casas; fachadas de templos; festas; práticas religiosas e, mais simplesmente, em expressões idiomáticas e frases estereotipadas “de efeito” – parece indicar uma origem ritualística”. Segundo Ricardo, o paralelismo “é também chamado por alguns autores de “contraponto semântico”, metáfora da teoria musical, mas pertinente, na medida em que se trata da superposição, ou justaposição, de significações opostas ou complementares, que “soam juntas”, integram-se em um nível superior de significação, em um processo de conotação”.

Uma publicação interessantíssima.

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Alguns poemas:

POEMA DE LI HE:

古悠悠行

 

白景归西山

碧华上迢迢

今古何处尽

千岁随风飘

海沙变成石

鱼沫吹秦桥

空光远流浪

铜柱从年消

 

Seguindo em frente (canção em estilo antigo)

 

reflexo branco a oeste sobre os montes

e a lua em jaspe alonga-se à distância

desde o passado o tempo sempre avança

mil anos seguem perdem-se no vento

no mar areias transformam-se em pedra

peixes em Qin passaram sob a ponte

e a luz no céu vagando ainda mais longe

pilar de bronze a erodir-se em lágrimas

 

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POEMA DE LI BAI:

秋浦歌

 

白发三千丈

缘愁似个长

不知明镜里

何处得秋霜

 

Canção do Lago Qiupu

 

cabelos brancos mais de mil novelos

tristezas igualmente longas dores

saber de onde veio ao claro espelho

o fino gelo este lugar de outono

 

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POEMA DE WANG WEI:

鸟鸣涧

 

人闲桂花落

夜静春山空

月出惊山鸟

时鸣春涧中

 

A cascata dos pássaros

 

quietude caem as flores da canela

à noite pousam a montanha cala

súbito aponta a lua – a primavera

desperta em brados pássaros cascata

 

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POEMA DE BAI JUYI:

岭上云

 

岭上白云朝未散

田中青麦旱将枯

自生自灭成何事

能逐东风作雨无

 

Nuvem no alto da montanha

 

Manhã, flutua ao pico intacta a branca nuvem;

no campo, o verde trigo cedo estará seco.

A vida vive, à morte segue, e o que consegue?

Só pode ao vento leste ir e dar-se à chuva.

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ANTOLOGIA DA POESIA CLÁSSICA CHINESA

Autor: vários; Ricardo Primo Portugal e Tan Xiao (orgs.)
Editora: Unesp
Preço: R$ 46,61 (311 págs.)

 

 

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