Publicado em 2009, o livro Inteligência com dor – Nelson Rodrigues ensaísta, do professor Luis Augusto Fischer, tece um comentário inusitado que, porém, mostra-se exato ao defender que as crônicas rodrigueanas seriam, na verdade, ensaios e, Nelson Rodrigues, “o Montaigne brasileiro”.
Segundo Fischer: “Há uma ideia generalizada de que, tanto nas crônicas quanto em contos e romances, ele faz retratos muito eficazes da vida brasileira. Porém, soando às vezes excessivo, hiperbólico. Em outras palavras, pode-se dizer que se trata de um autor com mercado, com fãs, mas sem reconhecimento acadêmico. Discordo disso no que se refere às crônicas: o Nelson contista e romancista pode ter um apelo sensacionalista, superficial, mas o cronista atinge uma profundidade comum a poucos. Em suas crônicas, ele foi um dos melhores intérpretes do país”.
De acordo com Marcelo Coelho, no texto de orelha à edição, a “revalorização da obra jornalística de Nelson Rodrigues deve muito a Ruy Castro, que organizou vários volumes de suas confissões, desabafos, provocações contra D. Hélder Câmara, estagiárias de calcanhar sujo e padres de passeata. São, sem dúvida, textos que ninguém lê sem prazer, até pelo que têm de hiperbólico em sua desconcertante naturalidade. Fischer dá um passo além nessa recuperação, mobilizando com agilidade e sem pedantismo um expressivo aparato teórico (em geral marxista, aliás) para acertar os relógios da crítica com esse tremendo dinossauro das nossas letras. Escrevendo contra a esquerda em plena ditadura, não é à toa que Nelson Rodrigues tenha ficado por muito tempo na geladeira; Fischer não se intimida diante do problema, reconhecendo que em muitos pontos o “reacionário” tinha razão”.
Ao contrário de Rubem Braga, cujas crônicas seriam líricas, Nelson Rodrigues faria crônicas – ou ensaios em forma de crônicas – combativas e, por isso, profundamente analíticas, fazendo, mesmo do humor, uma arma.
Fischer analisa: “Aquilo que alguns interpretam como excessivo, hiperbólico, na verdade é um diagnóstico do patético na sociedade. É aí que está o caráter ensaístico da obra do Nelson: ele se expõe, se revela de maneira despudorada com o objetivo de fazer esse diagnóstico. Quanto mais confessional, mais forte ele é”.
Segundo o autor, as crônicas de Nelson Rodrigues preencheriam os sete requisitos que ele levanta como necessários para caracterizar um texto como ensaístico: “coragem para a confissão, capacidade de partir do banal e chegar ao transcendental, esforço para diagnosticar o presente, a postulação do leitor, o humor, um certo jeito de tratar a linguagem e, por fim, o que chamo de a unidade do ensaio”.
Para Rafael Cariello, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, “a crônica, diz Fischer, não faz mais do que manifestar o mal-estar do cronista diante da velocidade da mudança. Toma o partido do passarinho, digamos, contra a ferocidade e a violência da cidade. Nelson parte desse mal-estar para refletir sobre o processo em curso. Faz o diagnóstico, no calor da hora, do avanço da sociedade de massas, e toma o partido do indivíduo. […] Confessa suas covardias, suas dúvidas, suas hesitações, e delas faz matéria de reflexão. Isso é o ensaio, afirma Fischer, em seu livro. Daí Nelson se dizer um “ex-covarde”, quer dizer, um indivíduo que finalmente se arrisca a pensar por si próprio, contra o seu tempo. Por isso mesmo seu valor e sua permanência, diz o crítico, estão assegurados”.
Saindo da visão individualizada, do seu “buraco da fechadura”, Nelson Rodrigues conseguiu dar eternidade aos seus apontamentos. Construiu uma teoria sobre o ser brasileiro, através de definições que tornaram-se lugares-comuns, como “O brasileiro tem alma de feriado”, ou “O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem”. O próprio título do livro faz alusão a uma das características frases de efeito cênico rodrigueanas, “É triste ser inteligente com dor”.
INTELIGÊNCIA COM DOR – NELSON RODRIGUES ENSAÍSTA
Autor: Luís Augusto Fischer
Editora: Arquipélago editorial
Preço: R$ 39,00 (336 págs.)