matraca

Cataclismo biológico

29 junho, 2020 | Por Isabela Gaglianone

 

“Revoada”, Tânia Gomes Mendonça. Colagem a partir de fotografia de Harald Schultz.

 

A situação é crítica. Se os indígenas brasileiros já tinham que literalmente autodefenderem-se, agora, com a pandemia, resta-lhes apenas a tentativa de sobre-viver. A cada dia os dados tornam-se obsoletos, uma vez que os casos de Covid-19 entre os povos indígenas têm aumentado em grande velocidade. A APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em parceria com o trabalho de apuração de organizações indígenas regionais, vem noticiando a trágica atualização dos números da doença entre os povos indígenas brasileiros, reunindo as informações dessas organizações às divulgadas pela SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena).

 

Entre os indígenas mais afetados pela pandemia, encontram-se os idosos, pertencentes ao “grupo de risco”, cujas mortes representam drástica desarticulação política e cultural, pois são guardiões da memória e da história de seus povos. A cada uma dessas mortes, como disse a líder indígena Alessandra Korap, “é como se uma biblioteca estivesse sendo queimada”.

 

Algumas populações indígenas têm se articulado para receberem auxílio, que a cada dia se faz mais urgente. É possível contribuir assinando as petições, realizando doações e divulgando.

 

Algumas maneiras de ajudar populações indígenas em meio à pandemia:

. Os Yanomami deram início a uma petição pública para pedir a expulsão dos garimpeiros de seu território. Segundo artigo de Joana Oliveira publicado no jornal El País, um estudo feito em parceria pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com revisão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), estima que, tendo os garimpeiros como o principal vetor de transmissão da pandemia em seu território, até 13.889 indígenas podem pegar a doença, o que equivale a 40% da população Yanomami.

 

. Os Munduruku pedem apoio de doações e também deram início a uma petição, para requisitar leitos de UTI, médicos e unidades intermediárias de atendimento nas aldeias. No alto Tapajós, onde está a maior parte das aldeias Munduruku, o garimpo aumentou durante a pandemia e a Terra Indígena Munduruku esteve entre as mais desmatadas no mês de abril deste ano.

 

. Os Kanamari lançaram uma campanha pedindo doações. Eles vivem no Vale do Javari, reduto da maior diversidade de povos indígenas isolados do planeta. O coronavírus vem avançando rápido após disseminação inicial, entre os Kanamari e seus vizinhos Matsés.

 

. Os Aikewara também lançaram uma campanha para angariar recursos. Já são diversos seus casos de mortes por Covid-19.

 

. A Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público fundada em 1992 e sediada na Amazônia, recebe doações pelo site Povos da Amazônia. A campanha ‘Ajude os Povos da Amazônia’ visa arrecadar doações para a distribuição de cestas básicas às comunidades indígenas. Até agora foram doadas 772 cestas para os povos Uru-Eu-Wau-Wau, Juma, Paiter Suruí, Karitiana, Kaxarari, Amondawa e também para quilombolas.

 

. A APIB lançou uma campanha de “vaquinha” para, com o valor arrecadado, comprar alimentos, remédios e material de higiene para as aldeias.

 

. Em informativo publicado pela COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, criada em 1989), o líder indígena do Alto Solimões, Eládio Kokama, pediu o apoio efetivo das autoridades do país e afirmou: “A Sesai insiste em atender somente os aldeados. Muitos indígenas estão morrendo no hospital por não ter leitos”. Durante a pandemia, aceitam doações de qualquer valor através da seguinte conta: Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira / CNPJ: 63.692.479/0001-94 / Banco do Brasil / Agência: 1862-7 / Conta: 15.774-0.

 

. A ambientalista Greta Tumberg lançou uma campanha internacional para angariar fundos destinados aos povos da Amazônia.

 

. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançou o site Emergência Indígena, para divulgar atualização de dados, feitos a partir de apuração própria, sobre indígenas e o coronavírus. Os dados são levantados com a colaboração de diversas organizações indígenas regionais, e mostram números mais trágicos que os oficiais.

Trata-se de iniciativa imprescindível para o dimensionamento da alarmante situação indígena, uma vez que a Sesai não contabiliza nem atende indígenas morando nas cidades. Assim, em Manaus, por exemplo, onde moram cerca de 30 mil indígenas,  casos de indígenas mortos por coronavírus ficam fora da estatística oficial.

 

. A APIB também fechou parceria com o projeto “Missão Covid” para conectar indígenas com sintomas de coronavírus aos mais de 1.300 médicos voluntários cadastrados no projeto, para amenizar o impacto da Covid-19 nos povos indígenas do Brasil, disponibilizando atendimento gratuito por videochamadas.

 

. Gregório Duviver, em seu programa semanal Greg News, divulgou a campanha Amazônia Contra Covid, articulada por professores da Universidade Federal do Amazonas, dedicada a ajudar comunidades étnicas que, deslocadas dos seus territórios de origem, vivem nas periferias das cidades e perderam a capacidade de autossustento. Indígenas que o governo sequer considera como indígenas e que têm enfrentado a escassez de comida e a subnutrição. A meta da campanha é atingir 500 mil reais em doações para garantir 3 meses de apoio a essas comunidades, fornecendo-lhes cestas básicas e produtos de higiene pessoal. A taxa de letalidade do vírus entre as populações indígenas é significativamente maior (8.8%, enquanto que a média entre o resto dos brasileiros é de 5.1%) e com a chegada da temporada de secas, incêndios e consequente agravamento dos problemas respiratórios, pode aumentar ainda mais.

Duviver tem a gentileza de justificar-se pelo pedido de contribuição financeira com a verdade nua e crua (como lhe é habitual): uma pandemia que chega aos povos indígenas pelo interesse do dinheiro, precisa de dinheiro para ser combatida. E ele não virá do Estado brasileiro, mesmo porque no Brasil, como bem aponta Duviver, o genocídio indígena é um projeto macabro de racismo para exploração fundiária.

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O descaso governamental quanto aos indígenas não é novidade. Do ponto de vista indígena, o massacre não é interregno no curso da história, mas a realidade dos últimos séculos, silencioso e naturalizado.

 

Na década de 1970, aquela que se dizia ‘milagrosa’, governantes brasileiros não se furtavam a se referirem aos indígenas como “entraves ao progresso”. Naquele período, ao passo que os indígenas eram dizimados (o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, concluído em 2014, estimou que 8.350 indígenas foram mortos durante a ditadura militar, destacando tratar-se de um levantamento parcial, uma vez que não conseguiu levar em consideração todos os povos afetados), cinicamente lamentar o “fim do índio” era lugar-comum, atribuído por vezes à marcha inelutável do “desenvolvimento”, por vezes à também inelutável marcha da história. Explicações, de toda forma, com a vantagem de serem alheias à agência ou vontade humanas, encobrindo causas imediatas e estruturais, obviamente de total responsabilidade humana, como aponta a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, no artigo “Populações tradicionais e conservação ambiental” [publicado no livro Cultura com aspas]. Ela narra como, no fim daquela década, as questões indígenas transformaram-se em importante preocupação nacional e uma feliz articulação feita entre lideranças indígenas, antropólogos, ONGs, advogados, geólogos e o Ministério Público Federal gerou frutos concretos no enfim reconhecimento dos direitos indígenas pela Constituição de 1988. As questões mais controversas, então, já giravam em torno das tentativas de permissão para a construção de hidrelétricas e para o estabelecimento livre da mineração realizada por empresas privadas em terras indígenas.

 

A despeito desses conflitos de interesse do capital, a partir de 1988, os direitos indígenas à terra passaram a ser considerados, constitucionalmente no Brasil, como “originários”, ou seja, não cabe ao Estado dar ou tirar as terras, apenas homologar seu reconhecimento. No entanto, de acordo com relatório do Conselho Indigenista Missionário, apesar de apenas 13% do território nacional ter sido demarcado como território indígena, aproximadamente 85% dos 561 territórios sofrem algum tipo de invasão. Além disso, o número de demarcações diminuiu nos últimos anos: nenhuma terra indígena foi demarcada em 2017; em 2018, a única demarcação, da terra indígena Baía do Guató, foi suspensa pela Justiça; em 2019, todos os processos de demarcação foram paralisados e nenhuma terra foi identificada, declarada ou homologada, ainda que houvessem 129 processos em andamento, em diferentes etapas, sobre terras nas quais vivem cerca de 120 mil indígenas, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (Funai). Os interesses privados criminosos que se embrenham e instalam em territórios indígenas ou de conservação florestal são muito bem representados pelo atual governo, que desde sua campanha eleitoral clama em altos brados que não vai cumprir a determinação constitucional de assegurar a “preservação dos recursos ambientais necessários ao bem-estar dos povos indígenas, bem como a terra necessária para sua reprodução física e cultural, em conformidade com seus hábitos, costumes e tradições”, como define o artigo 231 da Constituição Brasileira.

 

O jornalista Luiz Maklouf Carvalho, autor do minucioso livro O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, no artigo “O copo e a flecha”, publicado em 2008 pela revista piauí, contou como, naquele ano, quando a questão da demarcação definitiva da Terra Indígena Raposa Terra do Sol, em Roraima, tramitava no Supremo Tribunal Federal e despertava inflamados debates no Congresso, o líder indígena Ga’p Wasay (que, em sateré-maué, língua do tronco tupi, significa “vespa”), coordenador da COIAB, atirou um copo d’água no então capitão da reserva que viria a se tornar presidente do país: “O deputado federal Jair Bolsonaro, talvez o mais radical representante da direita no Parlamento, fica meio encabulado quando lhe perguntam sobre o copo d’água que o atingiu, pelas costas, durante a sessão da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, no dia 14 de maio. ‘Não acertou’, disfarça, numa resposta impulsiva. À lembrança de que todos os presentes viram, ele concede, de má vontade: ‘Tá bom. Mas então coloca que respingou de leve.’ Bolsonaro não aprecia os índios. Entre outros motivos, porque foi um deles que o batizou com um copo d’água em pleno discurso”. Maklouf narra como a cena se passou: “Na reunião da Comissão de Relações Exteriores, Ga’p Wasay já havia bebido um primeiro copo d’água. Dos de plástico. Tinha um segundo na mão direita, cheio, aguardando a sede voltar. ‘Eu conheço esse Bolsonaro há muito tempo. Ele se declarou nosso inimigo, totalmente contrário aos interesses indígenas. Então ele estava sentado bem na minha frente, coisa de meio metro de distância, e começou a mandar cacete no ministro. Então eu lembrei tudo o que ele já fez contra nós e atirei o copo d’água. Pena que eu não tinha uma flecha. Se ele é nosso inimigo, devemos matá-lo’, raciocina o cacique. Ga’p Wasay disse que, da próxima vez que o deputado o desrespeitar, ou assim que ele, Ga’p Wasay, se considerar desrespeitado, vai ‘amarrar o Bolsonaro e fazer ele aprender’. Às gargalhadas, Bolsonaro responde: ‘Sou mesmo inimigo deles. E esse índio é um fanfarrão’”. Sim, ele é mesmo inimigo dos índios e, para quem não se lembrava, há muito tempo. O que se passa agora, em seu governo e em plena pandemia, não é somente um genocídio, como um etnocídio: apagar povos inteiros faz parte de seu projeto.

 

A expressão que dá título ao presente texto, “cataclismo biológico”, foi cunhada pelo antropólogo Henry F. Dobyns para descrever o efeito das epidemias trazidas pelos invasores colonizadores europeus às populações ameríndias. Manuela Carneiro da Cunha, na ensaio “Introdução a uma história indígena” [compilado no livro O mundo indígena na América Latina: olhares e perspectivas], afirma:

 

Inúmeros povos indígenas desapareceram da face da terra como consequência do que hoje se chama, num eufemismo envergonhado, ‘o encontro’ de sociedades do Antigo e do Novo Mundo. Esse morticínio nunca visto foi fruto de um processo complexo cujos agentes foram homens e micro-organismos, mas cujos motores últimos poderiam ser reduzidos a dois: ganância e ambição, formas culturais da expansão do que se convencionou chamar de capitalismo mercantil. Motivos mesquinhos, e não uma deliberada política de extermínio, conseguiram esse resultado espantoso de reduzir uma população que estava na casa dos milhões em 1500 aos parcos 200 mil índios que hoje habitam o Brasil. As epidemias são normalmente tidas como o principal agente da depopulação indígena. A barreira epidemiológica era, com efeito, favorável aos europeus, na América, e era-lhes desfavorável na África. Na África, os europeus morriam como moscas; aqui eram os índios que morriam: agentes patogênicos da varíola, do sarampo, da coqueluche, da catapora, do tifo, da difteria, da gripe, da peste bubônica, possivelmente a malária, provocaram no Novo Mundo o que Dobyns chamou de ‘um dos maiores cataclismos biológicos do mundo’. No entanto, é importante enfatizar que a falta de imunidade, devido ao seu isolamento, da população aborígine, não basta para explicar a mortandade, mesmo quando ela foi de origem patogênica. Outros fatores, tanto ecológicos quanto sociais, tais como a altitude, o clima, a densidade de população e o relativo isolamento, pesaram decisivamente. Em suma, os micro-organismos não incidiram num vácuo social e político, e sim num mundo socialmente ordenado”.

 

O extermínio indígena decorrente dos motivos mesquinhos de que fala Carneiro da Cunha e que acompanhou o cataclismo biológico colonial foi perpetuado desde então, intensificado durante os ‘milagrosos’ anos 1970 e vislumbra agora uma faceta assustadoramente letal. Extermínios físicos e metafísicos.

 

Parte do aniquilamento metafísico indígena vem sendo realizado ideologicamente há séculos, de acordo com Carneiro da Cunha: “Por má consciência e boas intenções, imperou durante muito tempo a noção de que os índios foram apenas vítimas do sistema mundial, vítimas de uma política e de práticas que lhes eram externas e que os destruíram. Essa visão, além de seu fundamento moral, tinha outro, teórico: é que a história, movida pela metrópole, pelo capital, só teria nexo em seu epicentro. A periferia do capital era também o lixo da história. O resultado paradoxal dessa postura ‘politicamente correta’ foi somar à eliminação física e étnica dos índios sua eliminação como sujeitos históricos”. Sujeitos históricos, portadores de universos que estão na base de nossa formação, enquanto humanidade. E, sem que o exercício pleno da humanidade – pela própria agência, ainda que o atual cenário requeira de imediato apenas que se assegure antes de mais nada a mais básica sobrevivência física – seja minimamente partilhado e garantido a todos os humanos, nossa humanidade é apenas um coletivo aquém de sua própria invenção, conforme reflete o antropólogo Pedro Cesarino, em recente entrevista.

 

O novo coronavírus já ameaça até os indígenas que habitam as mais recônditas partes da floresta. De acordo com o artigo já citado de Joana Oliveira, no Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas, onde existe a maior concentração de indígenas isolados no planeta, “vivem ainda cerca de 7.000 índios de recente contato, que tomaram a decisão de se aproximar há apenas 40 ou 20 anos, a depender do grupo. A Covid-19 chegou em 4 de junho, depois que quatro funcionários do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Vale do Javari comprovaram que estavam com a doença e foram removidos às pressas da Aldeia de São Luís. Um dia depois, os exames confirmaram que três indígenas Kanamari também estavam infectados”. Oliveira conta que o povo Marubo, que também vive no Vale do Javari, “teme a aproximação da doença de suas aldeias. ‘Os Marubo já estão se preparando para adentrar mais a floresta, estamos construindo casas mais no meio da mata para nos prevenir da Covid-19 quando ela chegar perto’, conta o líder Paulo Kenampa Marubo, coordenador geral da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Ele foi um dos que denunciou dois missionários norte-americanos que pressionaram membros da organização para conseguir uma autorização de entrada ao território, exigida pela Funai”. Um dos missionários em questão, Josiash Mcintyre, ligado ao ‘Movimento Novas Tribos do Brasil’, rebatizado ‘Ethnos360’ e dedicado à evangelização de índios na região desde os anos 1950, em plena pandemia invadiu a sede da Unijava e reuniu indígenas convertidos e outros integrantes da organização ‘Frontier International’ para fazer uma expedição ao Igarapé Lambança, território habitado por isolados. No início deste ano, já havia sido noticiado que outro missionário estadunidense, Steve Campbell, financiado pela Greene Baptist Church, invadiu a Terra Indígena Hi-Merimã, habitada por cerca de cem indígenas isolados.

 

Não bastasse a infinda tentativa de catequização, por si só assassinato epistêmico, a morte pelo Covid-19 alastra-se entre os indígenas levada também por outros invasores constantes que praticam dois tipos de crimes: o desmatamento e o garimpo ilegal. De acordo com os dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento em terras indígenas aumentou 63% em abril deste ano em relação ao mesmo mês do ano passado. O mesmo sistema mostra que, no primeiro quadrimestre de 2020, o aumento foi de 55% em relação ao mesmo período do ano anterior. Somente em março, de acordo com o Ibama, os alertas provocados apenas por acampamentos de garimpo cresceram 29%. Oliveira, no artigo supracitado, cita Dinaman Tuxá, um dos coordenadores da APIB, que afirma:
“Esse posicionamento anti-indígena vem de antes mesmo de este Governo tomar posse. Ele está utilizando o coronavírus como instrumento de um genocídio e, ao mesmo tempo, usando-o para esconder o genocídio que já estava em marcha, com o garimpo ilegal, por exemplo”.

 

A emergência agrava-se, portanto, uma vez que soma-se à vulnerabilidade indígena em relação à disseminação da doença, maior por fatores geográficos e sociodemográficos, esse aumento exponencial das já contínuas invasões a seus territórios, que tiram proveito da redução das atividades das autoridades brasileiras responsáveis pela proteção dessas áreas e de seus habitantes originários, devido à pandemia. E que também tiram proveito da negligência governamental, que mostra “aproveitar” o momento para “passar a boiada” também sobre a população brasileira, obedecendo a acachapantes critérios sócio-econômico-culturais.

 

Os povos indígenas não podem ser simplesmente dizimados sem que isso acarrete no esvaziamento enfim completo do que consideramos como existência humana. Pelo descalabro do aniquilamento de formas de existência extingue-se a possibilidade de qualquer existência, pois restringe-se sua ideia a um mero simulacro de determinado conjunto de regras arbitrárias no interior de uma “civilização” por si bárbara, pois colonialisto-predatória, na qual princípios humanistas racionais soam como contos de fadas para uns poucos adultos.

 

Parece que, como diz Eduardo Viveiros de Castro, é mais fácil imaginar o fim da humanidade do que conceber o fim do capitalismo. Para aqueles que acreditam ser necessário pensar profundamente a respeito desta premissa, faz-se urgente a tomada de consciência da iminente catástrofe, à qual não se pode assistir passivamente, sob risco de aniquilamento da humanidade que resta em nós. Pois quando uma liderança indígena morre, e com ela sua língua e cultura, enterra-se uma parte da história da humanidade; e, de maneira mais pragmática, a floresta, sem as populações indígenas, seu escudo humano, uma vez savanizada, de qualquer forma não permitirá muita perspectiva de vida aos terráqueos.

 

Ou, como diria Lévi-Strauss, quanto ao “regime de envenenamento interno” no qual o Homo industrialis se perdeu, conforme bem o lembrou o antropólogo Bruce Albers no artigo “Nós todos deviemos ameríndios”, “todos índios doravante, estamos fazendo de nós mesmos o que fizemos aos outros”.

 

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