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Gerd Bornheim

12 novembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O aspecto mais fascinante de uma pesquisa filosófica reside talvez no fato de que ela se faz refratária a uma palavra final e definitiva. Não porque repouse no jogo infindável da conotação lógica das palavras, e sim porque há uma “prosa do mundo” – prosa que se inventa a si mesma, aderida a um mundo sempre em transformação. Todo o escopo do pensamento consiste em decifrar essa prosa, já que nela se esgota a inteireza da própria legitimidade do ato de pensar. – Gerd Bornheim.

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Gerd Bornheim (1929 – 2002) é considerado um dos poucos grandes filósofos brasileiros.

Dedicou boa parte de sua obra ao teatro, porém dizia considerar secundária sua produção sobre dramaturgia, em relação à importância que atribuía à sua atividade filosófica. Foi um dos grandes divulgadores da filosofia de Sartre, porém lia seu pensamento enquanto “enraizado, sobretudo, em Heiddeger, em Hegel e em Marx”.

A Edusp acaba de publicar uma cuidadosa e representativa reunião de ensaios de Gerd Bornheim, organizados por Gaspar Paz, sob o título Temas de filosofia.

O volume compreende escritos produzidos entre 1988 e 1997, relevantes para o entendimento da obra do filósofo. Nos ensaios, destaca-se a atenção aos acontecimentos culturais, como aponta na apresentação Gaspar Paz, mencionando suas colocações a respeito da estética e da filosofia da arte, “principalmente pela maneira instigante com a qual ele buscou orientar seus posicionamentos, aventurando-se pelo claro-escuro da compreensão de seu próprio tempo”. No textos de Bornheim, nota-se a preocupação com a dimensão histórica enquanto enfoque da pesquisa filosófica, o que permeia seu interesse e análise dos problemas contemporâneos e de suas articulações político-práticas. Temas como a política, a ecologia, a educação, as expressões artísticas, as ciências são alguns dos abordados nos ensaios aqui reunidos.

O livro é resultado da pesquisa de pós-doutorado de Gaspar Paz, dedicada ao estudo da obra de Bornheim, que foi seu professor, amigo e mentor intelectual. Paz propõe uma leitura histórico-cultural sobre alguns aspectos do textos de Gerd Bornheim, notadamente, as interpretações de linguagens artísticas nos textos do filósofo. Segundo Paz, as interpretações de Bornheim “sobre as linguagens artísticas e as colocações a respeito de inflexões estéticas, éticas e políticas trazem, particularmente, o nó de confluência das problematizações. Neste ponto, as reflexões sobre o teatro e a música apresentam uma visão privilegiada das relações entre as expressões culturais e a filosofia, desde já inscritas em temáticas contemporâneas. O teatro lhe oferece ainda uma posição especial ao permitir que Bornheim aceda a outras atividades artísticas (poesia, música, artes plásticas, cinema etc.) de forma livre e aberta. Daí o jogo entre filosofia e teatro constituir uma das dimensões mais singulares de suas interpretações. A linguagem musical, em consonância com a teatral, corrobora a pesquisa de Bornheim na condução dessa convergência entre as linguagens artísticas mediante a observância de temas referentes à linguagem e comunicação, à afluência da crítica artística, ao processo criativo, aos problemas da normatividade ética e estética, à presença do cientificismo, à crise do fundamento e às transformações do cenário artístico e de seus pressupostos estéticos. Sob essas perspectivas, aparecem os importantes títulos de seus trabalhos nos quais a linguagem assume um signo vivo, transitável e flexível”. Na tese, Paz defende que este “jogo entre filosofia e teatro” construa uma relação que “pode ser vista como o ponto de inserção no qual percebemos que as leituras de Bornheim vão além de quaisquer filiações ou interpretações filosóficas mais específicas. A base de seu referencial é bem concreta, e seu diálogo se explicita dentro de uma natureza diretamente ligada aos acontecimentos ou fatos culturais. Então, Bornheim pode ser compreendido em um panorama que englobaria Heidegger, Merleau-Ponty, Sartre – entre outros com os quais tinha afinidade –, não obstante sua discordância em relação a tais autores na construção fragmentária de suas posições e pensamentos”. Segundo as palavras do crítico, seu “conhecimento e interpretação peculiares da história da filosofia, sempre propondo inflexões dessemelhantes em relação à história tradicional, são incontestes pontos de consideração mesmo por parte daqueles que muitas vezes praticam a filosofia de forma alheia aos problemas contemporâneos. É que as percepções de Gerd Bornheim sobre a história da filosofia não se prendem a sistemas estabelecidos”.

Para Paz, interessa “uma espécie de mapeamento ou inventário de significações aliado às interpretações contemporâneas, marcando a inserção da obra de Gerd Bornheim em diversos meios. No Brasil, nosso autor se insere num viés que vem moldando o diálogo com variadas manifestações culturais e artísticas. Nessa mesma linha podemos sublinhar também os trabalhos de Benedito Nunes, Bento Prado Jr., Haroldo de Campos, Paulo Freire, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque etc. Para esses autores, parece que o que está em jogo, antes de tudo, são as expressividades culturais, independentemente de postulações de beleza e harmonia tradicionais, ou mesmo de uma satisfação estética em si”. Estes pensadores tem em comum uma aproximação entre filosofia e formas de expressão artística. Como diz Gaspar Paz, o diagnóstico da crise metafísica, fundamental para p pensamento bornheimiano “prolonga-se também como ‘crise de orientação estética’. A busca de novos rumos coincide, então, com o advento e coloração do tema da linguagem. Daí a insistência de Bornheim em que observemos o caráter histórico de tais acontecimentos. Essa ênfase justifica a escolha de Hegel por Bornheim como um ponto de apoio para que se entenda a crise tanto do ponto de vista metafísico como estético. De fato, Hegel foi o ápice e o desfalecimento das sistematizações metafísicas. E essa constatação não é apenas processada por Bornheim, mas de certa forma é compartilhada por todos os autores acima mencionados. E o entendimento das teses hegelianas, justamente por representar a possibilidade de elucidação da crise metafísica, tornou-se quase uma obsessão entre tais autores. A abordagem de Bornheim encontra ancoradouro em três pontos precisos no pensamento hegeliano: a alteridade, os impasses do sistema ou categoria da totalidade e por último a leitura de seus pressupostos estéticos. A tentativa de transcender radicalmente a herança metafísica será observada por Bornheim sobretudo em filósofos como Heidegger, Derrida e Foucault. O que Bornheim almeja é a passagem da totalidade hegeliana à “diferença” e à “alteridade” abordada pelos filósofos contemporâneos”.

A Edusp disponibiliza o sumário do livro, para visualização.

 

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Filosofia é teoria, ou seja, visão atenta e concentrada, e, portanto, crítica e interpretativa do real. Visão concentrada e crítica: ela encontra o seu centro naquilo que vê e no modo como deixa ver. O modo de ver está na pergunta; o filósofo é o homem que pergunta, e de modo radical. Por isso, a teoria se revela incompatível com o preconceito. Digamos que cabe ao filósofo guardar o conceito naquilo que ele é, e sempre que a teoria passa a funcionar embasada em pré-conceitos torna-se dogmática e antifilosófica. O resguardo do conceito se verifica na pergunta, e isso de tal maneira que ela volta a ser pergunta, não pára diante de fórmulas consagradas e dicionarizadas. Nesse sentido, a filosofia é essencialmente problema, e toda solução como que se dobra por dentro de si para constituir-se em novo problema. Já por essa razão se entende que a filosofia seja, de algum modo, fundamentalmente histórica, que o discurso filosófico se desdobre com necessidade na dimensão do tempo.

[Gerd Bornheim]

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gaspar paz

 

 

TEMAS DE FILOSOFIA

Autor: Gerd Bornheim [Gaspar Paz, org.]
Editora: Edusp
Preço: R$ 39,20 (304 págs.)

 

 

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