Em homenagem ao centenário do nascimento do artista plástico Iberê Camargo (1914 – 1993), acaba de ser lançado, pela CosacNaify, o livro Cem anos de Iberê, organizado pelo crítico de arte e curador Luiz Camillo Osorio, responsável pelo texto de apresentação e pela seleção das mais de duzentas imagens que compõem o volume. Osorio traça um panorama retrospectivo da obra de Iberê, reunindo gravuras, desenhos e sobretudo pinturas. O livro conta também uma rica sugestão bibliográfica e com a reunião de treze textos curatoriais, escritos para exposições do artista realizadas pela Fundação Iberê Camargo.
Iberê é certamente um dos maiores nomes da arte brasileira do século XX. Sua obra é pungente, é material e formalmente dramática. Estruturada por uma poética complexa, cuja resistência confere um caráter dialógico a cada movimento plasmado no papel, na chapa, na tela, sua obra estabelece uma relação profunda entre a construção e a expressividade. Suas soluções formais transformam a matéria bruta em afirmações profundas.
Segundo o crítico Rodrigo Naves, na interessante análise desenvolvida no ensaio “Iberê Camargo: o fundo movediço das coisas”, publicado no livro O vento e o moinho [Companhia das Letras, 2007], “Iberê é atraído pela resistência das coisas, por sua massa e densidade”. Naves evidencia as formas instáveis, que ainda que “estreitamente unidas” à matéria pelo “meio gelatinoso” das grossas camadas de tinta “mantêm entre si uma relação de estranhamento”.
Há uma dinâmica na obra de Iberê, constituída por desdobramentos da matéria na forma e vice-versa e altamente significativa. Um drama sobre o qual que o próprio artista disse: “a luta do pintor é colocar essa imagem na tela, no espaço de que dispõe, que, no caso, é plano. E não é fácil colocar isso dentro do plano. Eu não sou um plano, sou um homem tridimensional. Eu me achatar e à minha realidade … toda obra tem um significado que nasce da dor”. O ato expressivo, na obra de Iberê, constrói a obra autônoma e carrega um sentido existencial profundo.
Segundo o crítico Ronaldo Brito, no artigo “O eterno inquieto”, publicado em Iberê Camargo [DBA, 1994] – e depois integrado também ao livro Diálogos com Iberê Camargo [CosacNaify, 2003], organizado pela historiadora de arte Sônia Salzstein –, é preciso perceber “a união conflituada entre matéria e forma nos quadros de Iberê”. Segundo ele: “Todo pintor digno desse nome, é claro, cultiva a sua qualidade particular de matéria. […] O que distingue a pintura de Iberê, sob esse aspecto, teria de ser algo mais grave – nomeadamente, o furor e o fervor da matéria pictórica. […] a verdade é uma só: a matéria substantivou-se, passou a fator intrínseco de formalização”.
A homenagem ao centenário de um artista tão complexo é uma alegria à arte brasileira. Luiz Osorio pontua que o “aspecto trágico de sua obra a torna atual por ser muito “antibrasileiro” e pouco trabalhado em nosso imaginário”. Osorio levanta alguns dos principais tópicos abordados por críticos para analisar a obra do artista gaúcho, entre eles, Sônia Salzstein, Mônica Zielinsky, Adolfo Montejo, Lorenzo Mammì, Rodrigo Naves. E, em seu texto de apresentação, percorre a trajetória poética de Iberê, mostrando, como apontou Manuel da Costa Pinho em artigo publicado na Folha de São Paulo, que ela inverte a linearidade que tradicionalmente leva a arte moderna da narrativa e da experimentação para o abstracionismo. Pois Iberê parte de objetos inanimados, ainda que concentrem uma densa carga emocional, para chegar à pureza da materialidade pictórica e, dali então, desenvolver a “figuração desolada” de sua última fase – os ciclistas que pedalam em falso, os “idiotas” atônitos –, que concentra a profundidade existencial de sua obra.
Autor: Iberê Camargo
[Luiz Camillo Osorio (org.)]
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 49,00 (400 págs.)