Acaba de chegar às livrarias, pela primeira vez em português, o importante estudo de Antoine Meillet, publicado originalmente em 1906, Como as palavras mudam de sentido. O volume, publicado pela Edusp, foi organizado por Rafael Faraco Benthien e Miguel Soares Palmeira e traz ainda uma edição crítica do original francês, além de análises de especialistas, outros textos de Meillet e um necrológio do autor assinado por Marcel Mauss.
O autor defende uma explicação sociologicamente fundada das transformações de sentido no âmbito do vocabulário. Segundo Meillet, os indivíduos circulam e, consigo, carregam palavras. E os empréstimos que ocorrem devido à circulação dos indivíduos, de um grupo social a outro, ou de um subgrupo a um grupo mais amplo, têm impactos no conjunto do vocabulário mobilizado. Defendendo uma linguística sociológica, Meillet tematiza a transformação das línguas e das sociedades. Focando as noções de empréstimo, língua geral e língua particular, propõe um modelo capaz de problematizar as idas e vindas de um mesmo indivíduo entre vários grupos.
De acordo com o artigo, escrito em conjunto pelos pesquisadores Daniel Marra da Silva, do Instituto Federal do Tocantins, e Sebastião Elias Milani, da Universidade Federal de Goiás, “Whitney, Saussure, Meillet e Labov: a língua como um fato social” [Anais do SILEL. Volume 3, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2013]:
“Enquanto Saussure ensinava em Paris, teve Antoine Meillet como um de seus mais distintos alunos. Meillet o substituíra na École des Hautes Études na ocasião do retorno do mestre para Genebra, mas os dois linguistas mantiveram os laços através de correspondências. Entre os anos 1905-1906, pouco tempo antes de Saussure iniciar seu Curso em Genebra, Meillet, enquanto contribuía com o jornal de Durkheim, definiu a linguagem como um fato social fazendo referência ao conceito do sociólogo.
Dada a proximidade de Meillet com Saussure e a abrangência mundial que tinha o jornal de Durkheim, Anneé Sociologique, é remoto imaginar que Saussure não tenha tido acesso a essa publicação de Meillet. O fato de Saussure jamais ter indicado de onde saíra sua inspiração ao compreender que a língua é um fato social faz crer que dificilmente tenha se inspirado na noção de Meillet. Mais seguro é admitir que essa noção era parte do pensamento científico-social da época.
Um fato importante a ser observado é o de que a conceituação de linguagem de Meillet, embora tenha sido inspirada no conceito de Durkheim para os fatos sociais, não tem as mesmas inconsistências de que sofre a noção durkheimiana. Embora Meillet tenha alinhado seu pensamento ao de Durkheim ao buscar mostrar as consequências do caráter obrigatório e normativo de uma língua, e de dar ênfase às restrições que ela impõe ao ato individual, ele em momento algum dissera que uma língua existe independente dos indivíduos falantes, nem conferiu sua realidade a uma consciência coletiva, como o fez Durkheim.
Uma língua, para Meillet, existe independentemente de cada indivíduo falante, mas não independente de todos. Ela encontra sua realidade através da soma dos indivíduos ou através da soma de seus enunciados”.
De acordo com os pesquisadores, ainda no mesmo artigo, Meillet, apesar de enfatizar o caráter de exterioridade da língua em relação à ação individual, defende dois pontos fundamentais da ideia que caracteriza a língua como fato social: que uma língua nunca é a mesma para todos os indivíduos, pois os falantes a adquirem de forma distinta uns dos outros, em momentos e condições históricas diversas, e que a língua é internalizada através do aprendizado.
Segundo Rosa Virgínia Mattos e Silva, no artigo “Teorias da mudança lingüística e a sua relação com a(s) história(s) da(s) língua(s)” [Revista de Estudos Linguísticos da Universidade do Porto, vol. 3, 2008], “Antoine Meillet, em 1912, que não só cria o termo gramaticalização como apresenta um estudo sobre gramaticalização, intitulado ‘L’évolution des formes grammaticales’”.
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[…] a linguagem [le langage] é, pois, eminentemente um fato social. Com efeito, ela se encaixa exatamente na definição que Durkheim propôs; uma língua [une langue] existe independentemente de cada dos indivíduos que a falam, e apesar de ela não ter nenhuma realidade exceto pela soma de seus indivíduos, ela é, no entanto, de acordo com sua generalidade, exterior a cada um deles.
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COMO AS PALAVRAS MUDAM DE SENTIDO
Autor: Antoine Meillet
Editora: Edusp
Preço: R$ 22,40 (184 págs.)