O livro Filosofia clandestina: Cinco tratados franceses do Século XVIII é uma antologia de pequenos tratados, publicados de maneira clandestina e anônima, por seu conteúdo crítico – anticlericais, críticas políticas e defesas de novas concepções de mundo. A seleção, apresentação e tradução dos textos foi feita por Regina Schöpke, doutora em filosofia e medievalista, e por Mauro Baladi, graduado em filosofia pela UERJ. O livro foi publicado pela editora Martins Fontes.
O primeiro texto, “O verdadeiro filósofo“, de César Chesneau du Marsais (França, 1676-1756), defende um novo papel desempenhado pela filosofia no Iluminismo, incentivando o fornecimento, através dela, de intervenções favoráveis na formação crítica da população, rejeitando o caráter puramente metafísico da reflexão. O segundo, “Breviário filosófico ou História do judaísmo, do cristianismo e do deísmo em 33 versos“, de Giuseppe A. G. Cerutti (Itália, 1738; França, 1792), apresenta um pequeno poema que é atribuído ao rei Frederico II da Prússia, acompanhado de notas escritas por Cerutti, pelas quais critica episódios do Velho e do Novo Testamento, com o intuito de atacar a Igreja e todo o seu instrumental de ritos e dogmas, propondo como alternativa a instituição de uma religião natural, fundamentada na razão e na virtude. O terceiro, “Giordano Bruno redivivo ou Tratado dos erros populares“, de autor não identificado, é a mais radical das críticas presentes nos textos clandestinos; é dividido em cinco partes: Da pluralidade dos mundos; Os conhecimentos humanos nada têm de seguro; Da existência de Deus; Deus não é imutável; Não seria possível conciliar a ciência de deus, seu conhecimento e seu governo absolutos com o mal que existe no mundo. Por fim, o quarto e o quinto textos são, respectivamente, “Das conspirações contra os povos ou Das proscrições” e “Profissão de fé dos teístas“, ambas de Voltaire – o filósofo mais representativo, no Iluminismo francês, da própria ideia de literatura filosófica clandestina e satírica; Voltaire através de escritos dessas naturezas, sobretudo com suas sátiras, colocou-se em constante luta contra a ignorância, a superstição, a intolerância, o fanatismo e os abusos de toda ordem. Com características erudição e ironia, Voltaire critica os genocídios cometidos pela Igreja, no primeiro dos textos, e, no segundo, defende uma religião natural não institucionalizada, em que os dogmas dão lugar à razão, e os sacerdotes, ao bom senso, uma religião totalmente – e muito ironicamente – inspirada e guiada pela “luz natural”.
Marcelo Coelho, em artigo escrito ao jornal Folha de São Paulo, apontou um aspecto negativo do livro, dado pelo caráter panfletário dos textos e uma consequente caracterização, nas suas palavras, de certo “Iluminismo vulgar”. Sua crítica apoia-se num otimismo que identifica em Voltaire, a quem faltaria “profundidade “sociológica” para entender as causas daquilo que condena”, mas principalmente, volta-se contra a apresentação escrita pelos organizadores, por indicarem uma restrição, intelectual e artística, desde a Idade Média, devida à ausência de liberdade de crítica e expressão – ao que ele responde: “Teríamos, então, de esquecer a arte de Dante, de Chaucer e Rabelais.E eu gostaria de saber se, em lugares absolutamente sem liberdade de expressão, como a Espanha da Contra-Reforma, o que fizeram El Greco, Velázquez e Cervantes, se não foi arte e pensamento”.
Apesar do trecho da apresentação destacado por Coelho ser realmente controverso, a frivolidade a que ele resume as palavras de Voltaire passa por cima da importância filosófica de se tocar em um problema, mesmo que o meio escolhido não problematize causas e apenas indique uma questão silenciada. No caso de Voltaire, o que parece não passar de mero desabafo tem uma relevância crítica, talvez imperceptivelmente irônica.
Autor: Regina Schopke, Mauro Baladi (org.), Vários autores.
Editora: Martins Fontes
Preço: R$ 18,90 (230 págs.)