O historiador Carlo Ginzburg, em Olhos de Madeira – Nove Reflexões Sobre a Distância, parte da premissa aceita pelo senso comum de que as fronteiras do nosso mundo parecem estar diminuindo, dadas as proporções da globalização. O convívio com diferentes culturas é uma dificuldade latente a este processo, apesar de que, historicamente, gera estranhamentos intelectualmente profícuos: há uma longa tradição, que encontra no olhar do estranho – do selvagem, do cego, do animal –, a capacidade de mostrar incoerências da sociedade. Nessas “Reflexões sobre a distância”, Carlo Ginzburg reflete sobre essa tradição e aponta a impossibilidade da narrativa da história europeia que desconsidera os seus contatos com outras civilizações.
O volume reúne nove ensaios, cada qual desenvolvendo uma ideia representativa de tais contatos. Cada ensaio traz diferentes pontos de vista sobre as questões tematizadas, perspectivando-as de maneira historicamente rica e complexa.
A historiadora brasileira Laura de Mello e Souza, em resenha do livro, publicada no jornal Folha de São Paulo, conta: “Disposto a transformar um pedaço inanimado de madeira num boneco, o carpinteiro Geppetto amargou dissabores sem conta desde que sua criatura adquiriu vida própria. Mal terminara as mãos de Pinocchio, o boneco, e este já lhe roubava a peruca. Se há muita naturalidade no modo pelo qual o criador encara a animação da madeira, prévia mesmo à atribuição de forma, há um momento de inquietação e estranhamento, expresso quando Geppetto, após talhar na madeira os cabelos, fronte e olhos, deu-se conta de que estes o acompanhavam quando ele se movia no quarto “e que o olhavam fixo, fixo”. “Geppetto, sentindo-se olhado por aqueles dois olhos de madeira, e quase magoado, disse com tom ressentido: “Grandes olhos de madeira, por que olhais para mim?”. Ninguém respondeu”. Segundo Mello e Souza, o livro de Ginzburg, que tira da fala de Geppeto seu título, “trata de questões referentes à teoria da história, à teoria literária e à crítica de arte em geral e chega a aturdir, dada a erudição vertiginosa”; trata-se, segundo ela, de um “livro árduo, impenetrável à primeira leitura, acaba aderindo ao leitor e o persegue como os olhos enigmáticos de Pinocchio”. A historiadora brasileira aponta que, ao longo dos ensaios, o autor vale-se mais da teoria literária que da antropologia, tão utilizada por ele em outros estudos: “Ginzburg dá uma estocada nos formalistas russos e diz que o estranhamento não é técnica, mas modo de compreensão, alcançável quando, como Maquiavel, se observa a realidade do exterior, de longe, “de uma posição periférica e marginal”; quando, por meio de abordagem mais histórica que formal, atenta-se para a tradição longa de certos textos, acompanhando-os através do tempo e do espaço”. Para Mello e Souza, é através de um “vôo vertiginoso” que ele “mostra que nosso paradigma historiográfico se construiu durante mais de um milênio, detectando três momentos decisivos: Santo Agostinho e o modelo de adaptação (entre imutabilidade divina e mudança histórica); Maquiavel e o modelo de conflito (meramente secular e procurando combinar a consciência trágica “de que a realidade é o que é” e o distanciamento necessário à sua compreensão); Leibniz e o modelo de multiplicidade (assentado na pluralidade dos pontos de vista, mas buscando a coexistência harmoniosa entre eles). “O núcleo do paradigma historiográfico corrente”, constata Ginzburg, “é uma versão secularizada do modelo da adaptação, combinado com doses variadas de conflito e multiplicidade”.
Autor: Carlo Ginzburg
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 36,40 (328 págs.)