Paisagem submersa, trabalho realizado coletivamente pelos fotógrafos mineiros João Castilho, Pedro David e Pedro Motta, publicado como livro em 2008 pela CosacNaify, retrata comunidades ribeirinhas, em sete municípios do nordeste de Minas Gerais, que tiveram suas terras inundadas para que se pudesse formar o lago da Usina Hidrelétrica de Irapé, no leito do rio Jequitinhonha – eis o porquê do título. O resultado, interessante e poético, registra a grandiosidade das paisagens em seu contraste com o abandono humano. O conjunto das imagens coloca-se como uma revisão contemporânea da linguagem do fotodocumentário.
Os fotógrafos, durante cinco anos, fizeram o que denominaram um “documentário imaginário” sobre a demolição, das casas e da vida, de cerca de mil e cem famílias, obrigadas a mudarem-se durante a formação do lago da Usina. João Castilho pontua, sobre o projeto: “Acho que a importância do Paisagem Submersa, não só em Minas, vem do fato de ser um trabalho feito por pessoas muito jovens e que fazia uma ponte entre o documento e a arte contemporânea. Coisa que naquela época, princípio dos anos 2000, era difícil de ver na produção de novos fotógrafos. A gente via isso no Miguel Rio Branco e na Cláudia Andujar, mas não via moleques de vinte e poucos anos pensando nisso. Ou se produzia documento ou se produzia arte, fazer essa passagem foi uma contribuição importante para toda a geração”.
O registro é delicado e onírico, os fotógrafos exploraram a relação dos moradores com a água, com a terra, com o espaço, mostrando a fantasia e a nostalgia presentes em um mundo que breve não existiria mais. Sem textos, as histórias registradas falam por si sós, como dizem os autores: “Esse não é um trabalho que serve como ilustração de texto nenhum. Ele é o próprio texto”.
O trabalho, muito influenciado pela linguagem clássica do documentário fotográfico, busca, porém, o desenvolvimento de uma visão poética daquele momento histórico.
Em artigo escrito à Revista Sagarana, Mariana Lage diz: “Paisagem Submersa retrata também a maturação e a transição de linguagem de cada fotógrafo, marcadas por um período de experimentação muito grande. Esses cinco anos envolveram parte do ciclo em que recém graduados, em jornalismo e em desenho, consolidam suas técnicas de trabalho, suas identidades visuais e se lançam no mercado. A experimentação de João Castilho, por exemplo, guiou-se bastante pela pesquisa da cor e do uso do cromo. Já Pedro David conta ter variado mais na utilização de câmeras e filmes. Sobretudo, destaca Pedro, esses anos deram a eles uma outra forma de abordar o objeto fotografado — de uma atitude mais passiva, caracterizada pela espera a um posicionamento mais ativo, de criar e descobrir situações”.
Marcelo Coelho, em artigo escrito à Folha de São Paulo, analisa: “As fotos, carregadas e trágicas mesmo quando feitas à luz do meio-dia, sucedem-se sem texto nenhum e narram uma história de abandono e luto. Certo, nas páginas finais aparecem algumas imagens do interior das novas casas; são melhores do que as deixadas para trás. Mas o livro inteiro supera, com muita inteligência e arte, o que pode haver de irredimivelmente suspeito num patrocínio oficial. […] As imagens se dão em outro registro, o do presságio, do insólito e do silêncio. O livro começa com imagens de pessoas mergulhando num rio; às vezes, num salto atlético, outras vezes, como se afogadas. Algumas páginas adiante, as associações se tornam menos óbvias”. Coelho conclui seu artigo elogiando a eloquência da poética formada pelo conjunto das fotos: “O jogo entre o desaparecimento e a memória ocupa grande parte do livro; muitas fotos são como que perguntas deixadas no ar. O que fazer com a chave da antiga casa? E os mortos enterrados ali perto? E o altar da capela, feito de gesso? Roupas velhas e antigos cadernos escolares são queimados ou deixados na mudança. Uma porta, ainda em bom estado, é carregada até a margem do rio. E a canoa, para onde vai? O livro, de capa dura e negra, fecha-se sem dizer uma única palavra. Não se trata de uma contestação, mas de uma recusa: esse silêncio é o que o torna eloqüente ao extremo”.
Autores: João Castilho, Pedro David e Pedro Motta
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 89,60 (204 págs.)