Os amores difíceis é um título irônico. Pois seguindo esta série de novelas de Italo Calvino como fio condutor, percebe-se que os amores são difíceis, de maneira geral, pois mesmo entre múltiplas variáveis de combinações imagináveis de diferentes amores e diferentes circunstâncias de personagens, resta sempre a dificuldade comunicativa, aquela zona de silêncio que permeia as relações humanas amorosas – experiências indizíveis. Como o silêncio que paira sobre uma das personagens, de volta à rotina na manhã seguinte a uma inesperada aventura amorosa, por exemplo. “Aventura” inclusive é o título de muitos dos contos que compõem Os amores difíceis – “Aventura de um poeta”, “Aventura de um míope”, “Aventura de um leitor”; títulos também irônicos, pois tratam, na verdade, de uma aventura solipsista, interior, do itinerário rumo ao silêncio – e o silêncio que acarretam é em si um valor da vida minuciosa e transbordante.
Em meio a precisos reconhecimentos sociológicos e de modelos de comportamento, os contos formam um fascinante jogo combinatório entre simetrias e oposições. Como analisou o crítico italiano Pietro Citati, em 1959, Italo Calvino consegue criar contos que são “puro ritmo: sinais, indicações, correspondências impecáveis”. Segundo ele, Calvino é a um só tempo racionalista e fabulador: “[…] o ambiente mais propício ao espírito fabulista é justamente, de fato, o da razão límpida e precisa […]. Porém, o absurdo puro, explicado, das fábulas não pode ser dominado por uma racionalidade absoluta, embora de ponta-cabeça?”.
Italo Calvino teve uma trajetória de estudos literários interessante. Após ter traduzido dos dialetos das coletâneas folclóricas do século XIX as fábulas da tradição popular publicadas no volume Fábulas italianas, passou a se interessar mais pelos estudos de literatura comparada, para ele, território de fronteira entre mitologia primitiva, épica popular medieval e a filologia da século XIX.
Sua espontaneidade fabulosa atenta a pequenas coisas, mantém uma iconicidade figurativa distorcendo um pouco o plausível trivial, o suficiente para ecoar uma ironia que lhe é própria, sutil apesar de vertiginosa. Italo Calvino é considerado autor de um realismo com força de fábula, ao mesmo tempo que criador de fábulas com força realista. Como dito no apêndice à 2ª edição brasileira, o início da sua produção de “fabulador” coincidiu com a de “uma representação de experiências contemporâneas com chave de um irônico stendhalismo”.
A Companhia das letras publicou a 1ª edição de Os amores difíceis em 1992 e a 2ª, em 2004. A tradução é de Raquel Ramalhete.
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– O quê você escutou? – perguntou ela.
– Silêncio – ele disse. – As ilhas têm um silêncio que se ouve.
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OS AMORES DIFÍCEIS
Autor: Ítalo Calvino
Editora: Companhia das Letras
(264 págs.)