fotografia

Ficção documental

9 outubro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

“O signo, por um lado, é produto de uma construção/invenção, enquanto que a interpretação, não raro, desliza entre a realidade e a ficção. Tratam de processos de construção de realidades”.

fotografia de Boris Kossoy

Realidades e ficções na trama fotográfica, do fotógrafo Boris Kossoy, reúne interessantes ensaios sobre os mecanismos intelectuais que orquestram a construção da representação, do signo e da interpretação. Há, segundo o autor, uma qualidade inerente à imagem fotográfica: a materialização documental, que embasa sua ambigüidade enquanto documentação e representação. Esta é a primeira obra da trilogia de Kossoy publicada pela Ateliê Editorial – composta também por Fotografia e História e  Os tempos da fotografia – O efêmero e o perpétuo. Em seu conjunto, os três livros são representativos de diferentes linhas de pesquisa desenvolvidas pelo autor, pelas quais analisa os fundamentos estéticos próprios da fotografia.

Além de escritor e fotógrafo, Boris Kossoy é também pesquisador, historiador e professor. Ao longo deste volume, há um tema que encaminha a movimentação argumentativa: o papel da intencionalidade ideológica na fotografia e no documento fotográfico, reflexão pela qual ele desenvolve questões sobre arquivos, memória e reconstituição histórica, questionando o caráter de credibilidade e veracidade que a fotografia possui enquanto registro do real e mostrando o que o olhar fotográfico é necessariamente interessado.

O livro uniu textos já publicados a outros inéditos, fruto do desenvolvimento de ideias proferidas em aulas e palestras, decorrentes de pesquisas teóricas, estéticas e históricas, sobre a fotografia. Ele é constituído de três partes: uma reflexão sobre caráter de representação da imagem fotográfica como documento; uma linha reflexiva que analisa o papel ideológico da fotografia, enquanto instrumento de exportação de imagens que corroborem determinada imagem enviesada de um país ou situação; uma reflexão sobre a reconstituição histórica, localizando as representações fotográficas entre processos de construção de realidades e de construções de ficções.

Kossoy tece uma crítica aos historiadores, que doam às imagens fotográficas um valor exacerbado, desconsiderando a ambigüidade das informações contidas nas representações fotográficas. Segundo ele, as imagens fotográficas não se esgotam em si mesmas enquanto documentos, apenas proporcionam o despertar inicial para a reflexão acerca do passado. A fotografia é resultado de contingências materiais – tais como recursos técnico ópticos, químicos ou eletrônicos – e imateriais – recursos intelectuais e culturais.

Segundo ele, o próprio “conceito de fotografia e sua imediata associação à idéia de realidade, tornam-se tão fortemente arraigado que, no senso comum, existe um condicionamento implícito de a fotografia ser um substituto imaginário do real”. A fotografia, porém, é uma representação cultural, estética e tecnicamente elaborada, captada por um olho dotado de intencionalidade e interesse, de modo que há um processo de construção da representação e, a imagem, não é a realidade, é sua representação por analogia. A noção da fotografia como necessariamente autoral, além de despertar a questão de relação com a história e com a documentação, também insere-se na discussão na aceitação da fotografia como possibilidade expressiva e criativa. As imagens podem dialogar diretamente com seu expectador, pois, segundo o autor, “uma vez assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se dinâmicas e fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos”. Para ele, a “imagem fotográfica ultrapassa, na mente do receptor, o fato que representa”. A imagem é, portanto, “realidade moldável em sua produção, fluida em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas, sua realidade exterior) e de segredos implícitos (sua história particular, sua realidade interior), documental, porém imaginária”.

De acordo com Tatiana Fecchio da Cunha Gonçalves, em artigo publicado na revista Discursos fotográficos (Londrina, v. 5, n. 6, 2009), “existem, na imagem fotográfica, diversas realidades; “fluidas na representação e/ou que dela emanam” (KOSSOY, 1999, p.41-43), sendo duas destas seguramente identificáveis e distintas: a primeira realidade, correspondente à qual o fotógrafo tem contato e a partir da qual constrói sua representação, “um dado tema na dimensão da vida”; e a segunda realidade, correspondente à realidade do próprio objeto construído e que agrega elementos à primeira”. Gonçalves aponta que, para acessar o sentido por trás do iconográfico, é necessário realizar um “processo de desmontagem, de síntese e análise que objetive o acesso aos lastros, às articulações que efetivamente sustentam a construção da composição. Neste sentido, o autor apresenta as abordagens iconográfica e iconológica como formas possíveis de acesso desta compreensão. A análise iconográfica objetiva os elementos da segunda realidade, ou seja, da representação construída, da realidade explícita, mímeses de uma pretensa realidade”. A crítica aponta que, segundo Kossoy, o “assunto uma vez representado na imagem é um novo real: interpretado e idealizado, em outras palavras, ideologizado”. A fotografia, para ele, com “toda a sua carga de realismo, não corresponde necessariamente à verdade histórica, apenas ao registro (expressivo) da aparência”.

 

REALIDADES E FICÇÕES NA TRAMA FOTOGRÁFICA

Autor: Boris Kossoy
Editora: Ateliê Editorial
Preço: R$ 36,50 (150 págs.)

 

 

 

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