Grandioso lançamento deste mês, o livro Espírito e espírito de época – Ensaios sobre a cultura da modernidade [Geist und Zeitgeist: Essays zur Kultur der Moderne), reúne seis ensaios do austríaco Hermann Broch, um dos mais relevantes escritores do século XX.
Traduzidos por Marcelo Backes, os ensaios foram escritos entre os anos de 1933 e 1949 e versam sobre arte, mito e direitos humanos, contextualizados pela decadência dos valores, característica do fin-de-siècle – época marcada pelo fim do império dos Habsburgo –, cujo ápice foram os horrores do nazismo.
Unindo diversas frentes intelectuais, pensando a literatura em relação à filosofia, à história, à política, Broch, por exemplo, foi um dos primeiros intelectuais a reconhecer o trabalho de James Joyce, a respeito de quem escreveu o ensaio “James Joyce e o presente”, incluído neste volume.
A editora Benvirá já havia publicado as traduções dos monumentais romances de Broch, A morte de Virgílio – traduzido por Herbert Caro – e a trilogia Os sonâmbulos.
Broch é reconhecido como um escritor cuja preocupação formal encontra-se com a ambição literária – o que aproxima-o de dois outros grandes escritores do século XX, Robert Musil e James Joyce.
Segundo a análise filosoficamente contextualizadora feita por Antonio Gonçalves Filho, em artigo escrito para o Estado de São Paulo, Broch foi um grande teórico da cultura, “um dos principais ensaístas europeus (ao lado de Adorno) a estudar o kitsch na modernidade, tema do primeiro ensaio de Espírito e Espírito de Época. Associado a objetos vulgares, cópias de mau gosto da cultura erudita, o kitsch assume nas mãos do austríaco uma outra dimensão, ocupando o papel central nesse ensaio. Broch insere o kitsch na nefasta herança do romantismo do século 19, associando-o à decadência fin-de-siècle. Emile Zola não produziu literatura kitsch, mas esbarrou nela ao registrar sua convicção socialista e anticlerical. Mas, quem produz kitsch, alerta Broch, não é, de modo algum, alguém que faz arte de menor valor. Os exemplos são inúmeros, dos pré-rafaelitas a Tchaikovski. O austríaco prefere ver no kitsch um fenômeno ligado à ascensão das massas ao poder – e o ensaio, vale lembrar, foi escrito em 1933, ano em que Hitler foi nomeado chanceler”. Broch foi, ele próprio, uma trágica vítima do nazismo.
Antonio Gonçalves Filho, no referido artigo, conclui que Broch interpreta o “fenômeno cultural de uma época essencialmente trágica, marcada […] por uma incômoda afasia das massas. A conferência que dá título ao livro começa pela análise de Broch do descrédito na palavra que tomou conta da humanidade. A confiança na palavra, conclui o escritor, “foi radicalmente perdida” nos anos 1930 – e parece que ele está falando não da Alemanha de Hitler, mas vislumbrando o nada admirável mundo de 2014”.
No seu O livro por vir, Maurice Blachot fala sobre o “alcance da visada de Hermann Broch“; segundo ele, “não seria justo falar da variedade de seus dons e da extensão de suas preocupações. Ele não foi, por um lado, um romancista, por outro, um poeta e, em outros instantes um pensador. Foi tudo isso ao mesmo tempo”.
Elias Canetti, no ensaio dedicado ao austríaco em A consciência das palavras, reverencia-o com seu lirismo particular: “Broch escreve como quem respira”.
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Trecho:
“A aglomeração estilística de Joyce é, de um ponto de vista técnico, um procedimento que desloca o objeto de uma iluminação estilística a outra para esgotá-lo completamente e lhe arrancar a maior medida possível de realidade, de uma realidade supranatural.”
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Autor: Hermann Broch
Editora: Benvirá
Preço: R$ 34,93 (264 págs.)