Antoine Compagnon é conhecido por realizar uma crítica literária cujo viés histórico a torna particularmente sensível às ideias filosóficas, artísticas e sociológicas . Nascido em Bruxelas, o autor é professor da Universidade de Columbia e do Collège de France.
Ao longo dos quarenta capítulos que compõem Uma temporada com Montaigne, ele retoma os Ensaios do filósofo em toda sua exuberância intelectual e profundidade histórica.
Com uma prosa tão clara quanto erudita, o livro é composto à maneira dos ensaios: como conversas – mesmo porque o livro originou-se de um programa radiofônico diário, em que as leituras foram apresentadas durante um verão. Compagnon vivifica a atualidade dos ensaios, enquanto formas ao mesmo tempo literárias e filosóficas, passando por temas como a mortalidade, os limites do conhecimento, a amizade, a construção da identidade.
O autor é especialista no que chama de autores “antimodernos”, linhagem intelectual e crítica que tem origem em Montaigne e que abrange de Baudelaire a Barthes, caracterizada sobretudo pela resistência lúcida à “religião do progresso”. Autores cuja obras entendem o presente em relação à história e, portanto, fugidio; obras que não recusam a história e que abarcam em si visões críticas ambivalentes. Sobre Montaigne, diz no livro o historiador: “Montaigne é apaixonado por esse tipo de observações que coleta nos historiadores. Interessa-se não pelos grandes acontecimentos, pelas batalhas, pelas conquistas, e sim pelas anedotas, pelos tiques, pelas mímicas: Alexandre inclinava a cabeça para o lado, César coçava a cabeça com um dedo, Cícero cutucava o nariz. Esses gestos não controlados, que escapam da vontade, dizem mais sobre um homem do que as façanhas de sua lenda”.
Em entrevista concedida ao jornal O Globo, o autor reflete sobre o ensino da literatura e da história nas universidades nas quais leciona: “Por toda parte, o ensino e a pesquisa literários se tornaram mais convencionais do que eram na minha juventude, mais históricos, mais ideológicos, mas também não há mal nenhum em retornar à História. Me parece que, entre os trabalhos mais fecundos sobre literatura hoje, estão aqueles que se relacionam com a história cultural, um domínio que se desenvolveu muito, considerando a alta cultura mas também a cultura de massa. Também há aqueles que investigam a ligação da literatura com outros meios, em todas as épocas, enquanto nós tínhamos uma tendência a isolá-la, a sacralizá-la de maneira um tanto abusiva. A literatura pertence à vida”.
No Brasil, algumas obras de Compagnon foram traduzidas e publicadas pela Editora da UFMG: O demônio da teoria – literatura e senso comum, Os antimodernos – de Joseph de Maistre a Roland Barthes, Os cinco paradoxos da modernidade, Literatura para que e O trabalho da citação [disponível apenas em sebos].
Uma temporada com Montaigne foi traduzido por Rosemary Abilio e publicado pela WMF no mês passado.
_____________
Trecho:
A morte é um dos grandes temas sobre os quais Montaigne medita e está sempre retomando. Não se pode ensaiar a morte, que só acontece uma vez, mas Montaigne aproveita toda experiência que possa dar-lhe uma ideia antecipada dela; por exemplo, uma queda de cavalo, seguida de um desmaio que lhe pareceu uma morte suave, tranquila. Aqui, a perda de um dente dá motivo para um pequena fábula sobre a morte.
Envelhecer apresenta pelo menos uma vantagem: não se morrerá de uma vez só, mas pouco a pouco, parte por parte. De modo que a “derradeira morte”, como ele a chama, não deverá ser tão absoluta como se ocorresse durante a juventude e na flor da idade. O dente que cai – tormento banal, não catastrófico, que Montaigne deve ter conhecido (“Eis que um dente acaba de cair-me, sem dor, sem esforço; era o fim natural de seu tempo. É assim que me vou dissolvendo e escapando de mim”) – torna-se um indício de envelhecimento e uma antecipação da morte. Ele o compara com outras falhas que estão afetando seu corpo, uma das quais, como dá a entender, atinge seu ardor viril. Montaigne, antes de Freud, associa o dente e o sexo como sinais de potência – ou de impotência, quando vem a faltar.
“A morte mistura-se e confunde-se com tudo em nossa vida; o declínio adianta a hora dela e se intromete até mesmo no curso de nosso desenvolvimento. Tenho retratos de minha figura de vinte e cinco e de trinta e cinco anos; comparo-os com o de agora. Quantas vezes esse não é mais eu; quanto minha imagem atual está mais distante dessas do que da imagem de minha morte!” (III, 13 – Da experiência).
Montaige escuta a voz da razão: sua mente instrui sua imaginação. Possuímos fotos de nós nas diversas idades da vida; sabemos que não somos mais nós nessas imagens amareladas. Ele insiste na diferença que há entre mim agora e mim outrora. Isso não impede que algo em mim permaneça inteiro: “Esse não é mais eu”, diz de um antigo retrato. Portanto, é porque permanece um eu, uma vida intacta, e é esse eu que desaparecerá.
[Trecho divulgado pelo crítico Kelvin Falcão Klein, em seu blog “Um túnel no fim da luz”]
_____________
Autor: Antoine Compagnon
Editora: WMF Martins Fontes
Preço: R$ 19,25 (168 págs.)