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Intelectualidade e totalitarismo

7 fevereiro, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Mente CativaCzesław Miłosz realiza uma análise profundamente séria sobre a situação intelectual gerada pelo domínio das grandes ideologias. Sua denúncia aponta os círculos intelectuais servis: “A principal característica desse intelectual é seu medo de pensar por si mesmo”. Inspirado no período de sua vida que viveu sob o totalitarismo comunista na Polônia, após a Segunda Guerra, Miłosz reúne no livro uma série de ensaios através dos quais mostra como alguns intelectuais, originalmente sem afinidades ideológicas com o partido governante, aos poucos foram completamente convencidos – servos voluntários de um sistema que, na realidade, simplesmente não abre o menor espaço à autonomia de consciência, quer estética ou política.

Conforme as próprias palavras de Miłosz, em Mentes Cativas, ele procurou “criar separadamente os estágios sobre os quais a mente dá passagem à compulsão do nada”. Segundo a análise de Nelson Ascher, “é um dos livros indispensáveis do século XX”, pois “disseca um tipo moderno de política – o totalitarismo – que pretende se sobrepor à vida individual, conquistando-a e ocupando-lhe todas as esferas”.

Como definiu Tony Judt, em artigo publicado na revista Piauí e traduzido por Rubens Figueiredo, “a melhor maneira de avaliar a escravidão a uma ideologia está na incapacidade coletiva para imaginar alternativas”. Para ele, “Mente Cativa é memorável por duas imagens. Uma é a “Pílula de Murti-Bing”. Milosz topou com a ideia num romance obscuro de Stanislaw Ignacy Witkiewicz, Insaciabilidade, de 1927. Nele, os habitantes da Europa Central, diante da perspectiva de uma invasão de hordas asiáticas não identificadas, estalam entre os dentes uma pequena pílula que alivia a dor e a ansiedade; estimulados por seu efeito, eles não só aceitam os novos governantes como ficam positivamente felizes de recebê-los. A segunda imagem é a de “Kitman”, emprestado do livro Religiões e Filósofos da Ásia Central, de Arthur de Gobineau, no qual o viajante francês relata o fenômeno persa das identidades eletivas. Aqueles que internalizaram a maneira de ser chamada Kitman podem viver com as contradições de dizerem uma coisa e acreditarem em outra, adaptando-se livremente a cada nova exigência de seus governantes, ao mesmo tempo que acreditam que preservam em algum lugar dentro de si mesmos a autonomia de um livre-pensador – ou, em todo caso, de um pensador que escolheu livremente subordinar-se a ideias e ditames de outros”. Em uma passagem do livro, Milosz explica: “O que é Kitman? O povo do Oriente muçulmano acredita que “aquele que estiver em posse da verdade não deve expor a si mesmo, seus parentes ou a sua reputação à cegueira, à estupidez, à perversidade daqueles sob os quais Deus sentiu prazer em submeter e manter no erro”. Devem, portanto, se manter calados a respeito de suas próprias convicções, na medida do possível”. Como professor, Tony Judt aponta um fato interessante: “os estudantes contemporâneos não enxergam nenhum sentido no livro: todo aquele exercício parece uma futilidade. Repressão, sofrimento, ironia e até crença religiosa: isso eles conseguem apreender. Mas autoilusão ideológica? Os leitores póstumos de Miłosz parecem, desse modo, os ocidentais e emigrados cuja incompreensão ele define muito bem: “Eles não sabem como se paga – os que estão no exterior não sabem. Ignoram o que se compra e a que preço”.

No livro, Miłosz  narra sua própria situação intelectual sob o governo stalinista: “À medida que se desdobrava a situação nas democracias populares, os limites em que me podia mover como escritor eram cada vez mais estreitos – apesar de tudo, porém, não queria me dar por vencido. […] Em meu país se exigiu bastante tarde – nos anos 1949-1950 – de escritores e artistas que admitissem sem restrições o “realismo socialista”. O que foi equivalente a cobrar deles cem por cento de ortodoxia filosófica. Admirado percebi que não era capaz disso. Ao longo de muitos anos travei um diálogo interior com essa filosofia, como também com alguns amigos que a aceitaram. Uma oposição emocional determinou que eu a rejeitasse de modo inapelável. Mas justamente graças ao fato de que sopesei um bom tempo os argumentos pró e contra”.

Poeta, crítico, escritor, Czesław Miłosz amalgama em Mentes Cativas uma prosa ensaística à prosa de ficção. Isso é feito de maneira notável nos capítulos dedicados à descrição de quatro poetas – Alpha, Beta, Gama e Delta – que se submetem às exigências intelectuais e formais do Estado. Em resenha publicada na revista Sibila, Régis Bonvicino analisa que, entre achados poéticos, a fluente e clara narrativa mostra como “os heróis do romance, outrora atormentados pela “insaciabilidade” filosófica, agora se colocaram a serviço de uma nova sociedade: “Em vez de escrever a música dissonante de antes, compõem agora marchas e odes. Contudo, tornaram-se esquizofrênicos”. […] No segundo capítulo, debate a naturalização dos comportamentos, como forma de dominação, como se não fossem construídos pelo homem, desmantelando os clichês do mundo ocidental e do comunista”. Segundo Bonvicino, “Miłosz é, digamos, um poeta objetivista, que defende uma prosa e uma poesia de invenção. Ele denuncia o mecanismo de dedução lógica e óbvia que se instala na literatura com o realismo socialista – a alienação do escritor do próprio ato de escrever”.

Uma importante discussão sobre a escravidão através da consciência enviesada, manipulada e determinada pelas estruturas de poder.

 

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“Quando alguém está honestamente 55% do tempo certo, isso é muito bom e não faz sentido discordar. Se alguém está 60% certo, isso é maravilhoso, sinal de boa sorte e essa pessoa deve agradecer a Deus. Mas o que deve ser inferido sobre estar 75% certo? Os sábios diriam que é algo suspeito. Bem, que tal 100% certo? Quem quer que diga que está 100% certo é um fanático, um criminoso e o pior tipo de crápula”.

– dito popular galício, citado por Milosz em Mentes Cativas.

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MENTES CATIVAS

Autor: Czesław Miłosz
Editora: Novo Século
Preço: R$ 39,90 (248 págs.)

 

 

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