24/7 – Capitalismo tardio e o fim do sono, de Jonathan Crary, chega ao Brasil publicado pela CosacNaify, com tradução de Joaquim Toledo Jr.
De uma ironia cáustica e bem humorada, o livro expõe a complexidade da lógica mercantil para a qual a própria necessidade de repouso humana é um empecilho. Seu diagnóstico agudo identifica um mundo cujo funcionamento e cuja própria lógica não se prendem mais a limites de tempo e espaço. Crary mostra que hoje são financiadas pesquisas científicas que buscam desenvolver uma fórmula para criar o “homem sem sono”, capaz de trabalhar e consumir “24/7”: 24 horas, durante os sete dias da semana. O livro, por outro lado, resgata uma tradição da cultura ocidental que percebe no sono e no sonho possibilidades utópicas.
Segundo Daniel Galera, em artigo escrito ao jornal O Globo, é “um texto pessimista e hiperbólico”. Como sintetiza o escritor brasileiro, “Crary descreve “a vida pessoal e social reconfigurada para se sujeitar à operação ininterrupta dos mercados, redes de informação e outros sistemas”. No mundo desenhado por ele, o tempo se tornou obsoleto e não há recanto da experiência humana que não seja quantificável e exposto à luz. Um mundo sem descanso e sem mistérios, onde só se admite a existência daquilo que é útil, acessível e está disponível imediatamente. Em tal mundo, diz o autor, o sono é a último espaço de resistência. […] O sono abala a ideologia de que somos computadores. As tentativas de colonizar esse reduto se dão através de tecnologias que buscam encurtar (ou mesmo eliminar) nosso tempo de sono ou invadi-lo para otimizar a saúde, a mente e a produtividade”. Segundo Galera, mais do que vilanizar a tecnologia, a leitura de Crary mostra “a importância de batalharmos ativamente por uma tecnologia verdadeiramente inteligente, que nos deixa no controle e enriquece nossa vida em vez de nos empurrar para o terreno homogêneo de uma hiperatividade sem trégua”.
A revista piauí publicou o primeiro capítulo do livro na edição de setembro (n° 96).
A CosacNaify já havia publicado no ano passado, de Jonathan Crary, Suspensões da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna, traduzido por Cristina Montenegro. Nele, dialogando Michel Foucault, Crary questiona o lugar comum de um olhar ativo na era moderna e argumenta no sentido contrário, apontando que, desde meados do século XIX, o olhar é objeto de um crescente processo de disciplinamento. O autor, assim, combinando análises de telas emblemáticas de Manet, Seurat e Cézanne a tratados de ótica e aos primeiros experimentos com o cinema, traça um erudito panorama sobre as transformações da visão contemporânea.
_____________
“O 24/7 mina paulatinamente as distinções entre o dia e anoite, entre claro e escuro, entre ação e repouso. É uma zona de insensibilidade, de amnésia, de tudo que impede a possibilidade de experiência. Parafraseando Maurice Blanchot, é tanto o próprio desastre, caracterizado pelo céu vazio, no qual nãos e vê nenhuma estrela ou sinal, em que qualquer referência se perde e nenhuma orientação é possível. Mais concretamente, é como um estado de emergência, quando um conjunto de refletores é repentinamente aceso no meio da noite, aparentemente como resposta a circunstâncias extremas, mas que continuam acesos, transformados em condição permanente. O planeta é repensado como um local de trabalho ininterrupto ou um shopping Center de escolhas, tarefas, seleções e digressões infinitas, aberto o tempo todo. A insônia é o estado no qual produção, consumo e descarte ocorrem sem pausa, apressando a exaustão da vida e o esgotamento dos recursos”.
_____________
24/7 – CAPITALISMO TARDIO E O FIM DO SONO
Autor: Jonathan Crary
Editora: CosacNaify
Preço: R$ 29,90 (144 págs.)