Joseph Brodsky – pseudônimo de Iosif Aleksandrovich Brodsky, em russo, Ио́сиф Алекса́ндрович Бро́дский -, grande poeta e ensaísta russo, ganhador do Prêmio Nobel de literatura em 1987, foi preso na União Soviética em 1964, acusado de ser um “parasita social”; dois anos depois de deixar o “gulag”, deixou a Rússia comunista pela América e, exilado, naturalizou-se estadunidense – motivo da dissonância formada pela composição do nome pelo qual ficou conhecido.
Em sua poesia, muito celebrada nos Estados Unidos, coexistem os assuntos do tempo e do espaço, do amor e da morte; suas metáforas, segundo Carlos Leite, tradutor de Brodsky em Portugal, “geralmente não são precisas em termos visuais, mas improváveis, exageradas, implausíveis mesmo. Decorrem mais da persistência do pensamento, da dificuldade de pensar, do que do simples olhar, fotográfico ou contemplativo”.
Em seus ensaios, ele segue à risca um de seus princípios: “A biografia de um escritor está nos meandros de seu estilo”. Examinando uma vasta gama de assuntos, da esfera poética à política, da autobiografia à história cultural, os ensaios reunidos em Menos que um mostram sua poesia e sua prosa são manifestações complementares entre si de sua erudição, ironia e lirismo.
Os ensaios foram originalmente publicados no volume Less than one, publicado nos Estados Unidos em 1986 e, naquele mesmo, ano, vencedor do National Book Critics Circle Award for Criticism. Incluem ensaios sobre escritores russos tais como Dostoievsky, Ossip Mandelstam e Platonov, bem como sobre o poeta americano W. H. Auden, que o acolheu Brodsky quando de sua chegada em Londres – expulso da União Soviética em 1972 – e tornou-se sem dúvida sua maior influência, sobretudo a partir do momento em que Brodsky passou a escrever poemas também em inglês.
A coletânea reúne ainda reflexões sobre assuntos tão diversos como sua infância, sobre o destino e o papel de Peter (nome carinhoso de São Petersburgo, ou Leningrado) na história e imaginário russos ou ainda sobre a beleza e força de Anna Akhmatova, sobre a poesia deste século, sobre as condições de vida e de produção intelectual sob um regime totalitário, que delineiam um itinerário que amalgama conhecimento e desilusão. Resistência e dúvida, fundidos na experiência – amarga mas apaixonada – da natureza da poesia e da linguagem em circunstâncias históricas adversas.
Um dos ensaios, intitulado “Nadiêjda Mandelstam (1899-1980) — um obituário”, descreve a escritora, doutora em Letras e professora na Rússia, que, apesar de tanta qualificação, passou para a história da literatura simplesmente como a esposa do grande poeta Ossip Mandelshtam, da seguinte forma: “era uma mulher baixa e magra, e com o passar dos anos foi-se encolhendo cada vez mais, como se tentasse transformar-se numa coisa sem peso, algo que se pudesse enfiar às pressas no bolso em caso de fuga. Não possuía bens materiais: nem móveis, nem objetos de arte, nem biblioteca”. Nadezhda somente possuía a sua memória, que guardava os poemas do seu marido. Stalin, por um período, desistiu de calar a poesia e publicou versões adulteradas dos poemas de Ossip, mas a recordação de Nadezhda mantinha intacta a voz original do poeta. O que pode ter começado como um ato de amor, logo se transformou no ideal maior: preservar a voz de um poeta ao custo da própria vida. Brodsky afirma que, se existe um substituto para o amor, é a memória.
Em outro dos ensaios, Brodsky, exilado, escreveu que o verdadeiro exílio ensina três coisas: que a condição humana é um exílio metafísico que nos põe em constante estado de tensão, seja no pensamento ou no espírito; que alguém que vive o exílio sempre será um ser voltado para o passado, para o lugar onde viveu e ao qual não pode mais retornar.
Como aponta Nelson Ascher, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em fevereiro de 1994: “Numa sociedade onde nenhuma informação – nem mesmo a puramente literária – circulava honestamente, Brodsky teve a sorte de ser ‘adotado’, no começo dos anos 60, por Anna Akhmátova, única sobrevivente da maior geração poética que o país já teve, aquela – formada também por Pasternák, Maiakóvski, Mandelstam e Tzvietáieva – que chegou à maturidade na época da outrora chamada ‘gloriosa revolução de outubro’. Isso lhe permitiu retomar os vínculos com a melhor tradição viva, uma tradição quase que inteiramente obliterada naqueles tempos, e tornar-se tanto seu propagandista quanto continuador. A gratidão para com a poesia do passado imediato e o horror cinzento da parte do mundo em que lhe foi dado nascer permeiam muito de sua poesia e de sua prosa”. Ascher comenta a contiguidade absoluta entre a prosa e a poesia de Brodsky: “As mesmas preocupações e o mesmo modo de organizar percepções e idéias são comuns a ambas. Sua poesia é prosaica no sentido de se ocupar tanto de trivialidades cotidianas, como uma mosca, quanto de abstrações, como a tirania, cujo tratamento mais corriqueiro ocorreria num ensaio. O comprimento mesmo de seus poemas, bem como seu caráter frequentemente digressivo, servem para afastá-los da imagem substantiva e concentrada da lírica moderna, razão pela qual seus leitores não raro os consideram neoclássicos. Sua prosa, por outro lado, é poética não por qualquer característica vaga ou etérea, mas por fugir, na sua organização, de um esquematismo que se associa erroneamente à lógica. Ambas, contudo, prosa e poesia, buscam a precisão e um tipo de objetividade que deriva de um auto-exame explícito e contínuo”. Para Ascher, Brodsky é, sem sombra de dúvidas, um poeta anticomunista. Ele cita o poeta, referindo-se ao fundador do regime, Lênin: “Havia talvez apenas duas coisas que ele tinha em comum com Pedro 1.: o conhecimento da Europa e a brutalidade. Mas enquanto Pedro, com sua variedade de interesses, sua energia borbulhante e o amadorismo de seus grandes desígnios, era uma versão atualizada ou desatualizada do homem da Renascença, Lênin era na verdade um produto de seu tempo: um revolucionário de mentalidade estreita, com um típico desejo monomaníaco e pequeno-burguês de poder, que é, em si mesmo, um conceito extremamente burguês”. Segundo Ascher, nada “na sua exposição devastadora dos absurdos da realidade soviética lembra o pavor com que os liberais ocidentais fugiam (e fogem) do risco de serem chamados de anticomunistas. Sabendo que o fato de ter rompido com o regime –embora fosse o regime que tivesse rompido com ele– já o desqualificava diante de tais interlocutores, não se preocupa em tentar convencer quem quer que seja, limitando-se a falar, desapaixonadamente, sobre aquilo que conhece bem”.
O próprio Brodsky fala um pouco sobre suas visões de mundo na entrevista concedida ao ensaísta Luis Carlos de Brito Rezende e publicada na Revista USP em 1991. Questionado sobre sua fé na civilização, Brodsky a confirma e diz: “Talvez simplesmente pelo fato de eu ser nômade. A civilização que se expande, se sustenta, se constrói fornece respostas à nossa lógica antropológica. É muito simples: nós não temos nenhum outro objetivo nesta terra. É claro que há um conflito, em cada indivíduo, entre desejos privados e responsabilidade pública, que nem sempre é resolvido de modo satisfatório; além disso, a espécie humana porta uma potencialidade negativa que foi subestimada, especialmente na civilização ocidental… Bem, o que eu posso dizer a respeito de tudo isso? Você conhece as respostas…”
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Nos poetas, a escolha das palavras sempre diz mais do que o fio da história. A poesia não é “as melhores palavras na melhor ordem”; é a forma mais nobre de existência da língua. Em plano estritamente técnico, é certo que a poesia implica palavras dotadas do maior peso específico possível colocadas na ordem mais eficaz e, aparentemente, inelutável. O ideal é entretanto uma língua rumo ao alto, ao início onde era o Verbo. […] As formas em aparência mais artificiais da organização do discurso poético […] são apenas a elaboração natural, retomada com todos os detalhes, do eco subsequente ao Verbo inicial.
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Autor: Joseph Brodsky
Editora: Companhia das Letras
Preço mínimo: R$ 30,00 (232 págs.)
[disponível apenas em sebos]