A Companhia das Letras acaba de trazer de volta às livrarias a correspondência recebida por Carlos Drummond de Andrade pelo amigo Mário de Andrade.
Os dois escritores conheceram-se em 1924, durante uma viagem de Mário a Minas Gerais. Mário, então, já era um proeminente escritor, enquanto que Carlos ainda não havia estreado em livro. Sua correspondência a partir dali teve início e manteve-se pelos vinte anos seguintes, até as vésperas da morte de Mário, em 1945.
As cartas foram reunidas pelo próprio Drummond, sob o título A lição do amigo: cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade, anotadas pelo destinatário. São testemunhas preciosas de sua amizade, das conversas inteligentes e afetuosas sobre a poesia, o prosaico, a arte, o artista no Brasil.
Mário de Andrade foi o primeiro grande leitor de Drummond, analisava, aconselhava e orienta o poeta através das cartas – por isso, a “lição do amigo”. Segundo Drummond, as cartas possuíam um sentido “menos estético do que moral e pedagógico”: “O professor Mário de Andrade tanto corrige a apreciação errada de um episódio vivido como aponta fraquezas de linguagem, de ritmo ou de concepção na poesia do principiante. […] Esta última função deve interessar mais de perto o literatozinho mineiro, de tendência pessimista, que procura resolver em verso moderno suas dúvidas e agitações íntimas. Assim, ele abusa da paciência e da simpatia humana de Mário, esmagando-o com sucessivas remessas de poesia. O professor lê tudo e devolve com anotações preciosas”.
O poeta Eucanaã Ferraz, em crítica, contextualiza a publicação das cartas, por parte de Drummond: “As cartas de Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade vieram à luz pela primeira vez em alguns fragmentos, transcritos por este em crônica intitulada ‘Suas cartas’, publicada em março de 1944 no jornal Folha Carioca (mais tarde reproduzida no livro Fala amendoeira). Trinta e dois anos depois, outra amostragem, ainda tímida: as duas primeiras cartas enviadas pelo modernista ao jovem poeta mineiro apareceram reproduzidas na revista literária José (número 4, Rio de Janeiro, outubro de 1976). Ali, em breve nota, Drummond apontara para a questão central daquela publicação: ‘Publico suas cartas por estar convencido de que elas, como toda a vastíssima correspondência de Mário, transcendem a área da comunicação entre amigos para se caracterizarem como textos de reflexão de grande proveito no debate, jamais esgotado, sobre a aventura criativa’. Tal convicção levaria à publicação do conjunto de cartas enviadas por Mário”.
A editora Bem-te-vi publicou em 2003 um excelente volume, que conta, além das cartas de Mário, também com as respostas de Drummond. O livro Carlos e Mário – Correspondência foi objeto de se correr Matraca.
As cartas de Mário, para Drummond, estabeleceram “um vínculo afetivo que marcaria em profundidade a [sua] vida intelectual e moral”. A correspondência foi para ele: “o mais importante, generoso e fecundo estímulo à atividade literária, por mim recebido em toda a existência”.
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Trecho de uma das cartas de Mário de Andrade a Drummond:
[…] Mais adiante você fala em “apertado dilema: nacionalismo ou universalismo. O nacionalismo convém às massas, o universalismo convém às elites”. Tudo errado. Primeiro: não existe essa oposição entre nacionalismo e universalismo. O que há é mau nacionalismo: o Brasil pros brasileiros — ou regionalismo exótico. Nacionalismo quer simplesmente dizer: ser nacional. O que mais simplesmente ainda significa: ser. Ninguém que seja verdadeiramente, isto é, viva, se relacione com o seu passado, com as suas necessidades imediatas práticas e espirituais, se relacione com o meio e com a terra, com a família etc., ninguém que seja verdadeiramente, deixará de ser nacional. O despaisamento provocado pela educação em livros estrangeiros, contaminação de costumes estrangeiros por causa da ingênita macaqueação que existe sempre nos seres primitivos, ainda por causa da leitura demasiadamente pormenorizada não das obras-primas universais dum outro povo, mas das suas obras menores, particulares, nacionais, esse despaisamento é mais ou menos fatal, não há dúvida, num país primitivo e de pequena tradição como o nosso. Pois é preciso desprimitivar o país, acentuar a tradição, prolongá-la, engrandecê-la. […]
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Autor: Carlos Drummond de Andrade / Mário de Andrade
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 34,93 (440 págs.)