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O pouco de realidade das coisas

31 agosto, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Gravura de Norman Ackroyd

Gravura de Norman Ackroyd

A reunião de ensaios As ilhas, de Jean Grenier (1898 – 1971), foi originalmente publicada em 1933. O volume, para Albert Camus, amigo e aluno de Grenier na Argélia antes da guerra, foi a leitura arrebatadora que lhe despertou o ímpeto de tornar-se escritor.

Cabe, para apresentar este livro e sua filosofia literária, a análise que dele fez o escritor Gilles Lapouge, em resenha publicada no jornal O Estado de São Paulo, na qual discorre sobre a relação entre o autor e o pupilo: “Claro que Jean Grenier e Albert Camus são filósofos, mas a sua grandeza é que o filósofo, nos dois casos, foi engolido, como se digerido, pelo escritor. O que não significa que a carga filosófica de As ilhas ou O estrangeiro seja ínfima. Não. Mas ela é comunicada por imagens, alegrias intensas ou soluços, o movimento branco de uma nuvem, a pele das mulheres”.

No prefácio que Camus escreveu para a reedição de 1959 de As ilhas, pontua que o livro representou para sua geração uma iniciação ao desencanto do mundo. 

Segundo outra resenha, escrita por Manuel da Costa Pinto para o jornal Folha de São Paulo, um“desencanto paradoxal, que reafirmava a volúpia pelos “frutos da terra” (para mencionar o livro de André Gide que serviu de bússola para o hedonismo pessimista de Grenier e Camus)”. Os textos de Grenier são, para o crítico, “portadores de uma filosofia ao rés do chão, pequenas cenas semelhantes a um diário (passeios por cidades europeias, a contemplação de um gato, a conversa com um açougueiro moribundo) desencadeiam reflexões sobre “o pouco de realidade das coisas”, a sensação de “vacuidade”, enfim, lugares-comuns da inquietação metafísica”. São ensaios, aponta Costa Pinto, dotados de lirismo: “Fato apontado e comungado por Camus, Grenier formula sua percepção da insuficiência humana a partir de uma ávida adesão à luz mediterrânea: ‘O sol o isola e o ser se encontra face a face com ele mesmo -sem nenhum ponto de apoio’. Esse despojamento não cancela as injustiças sociais, mas forja uma austeridade moral que previne tanto dos ressentimentos em relação à miséria quanto das promessas do Eldorado político: ‘Para que serve remexer a lama do planeta quando se permanece no centro das coisas?’ Grenier encontra uma de suas ‘ilhas’ na Índia e na serena indiferença do bramanismo; seu arquipélago, porém, continua sendo essa noção mediterrânea de medida, de equilíbrio entre plenitude solar e história”.

De acordo com a análise de Patrick Corneau, “esse livro fundamental contém em germe todos os temas da obra futura e principalmente a problemática do pensamento do escritor: a bipolarização entre o Humano e o Absoluto. Sem falar de esquema orientador, pelo menos encontramos no surgimento da obra essa tensão (às vezes um dilaceramento) que orienta a busca pela verdade de Jean Grenier”.

Entre as suas ilhas, Grenier diz: “Perguntam-te por que se viaja. A viagem pode ser para os espíritos que carecem de uma força sempre intacta, o estimulante necessário para despertar sentimentos que na vida quotidiana não se manifestavam. Viaja-se, então, para recolher, num mês, num ano, uma dúzia de sensações raras, eu ouço aquelas que podem suscitar em você este canto inferior sem o qual nada do que se experimenta vale.

[…] Portanto, pode-se viajar não para evadir-se, algo impossível, mas para se encontrar. A viagem torna-se então um meio, como os jesuítas empregaram os exercícios corporais, os budistas o ópio e os pintores o álcool. Uma vez que se serviu disso e que se atinge o limite, empurra-se com o pé a escada que te serviu para subir. Esquece-se as jornadas enjoativas da viagem marítima e as insônias do trem quando se chegou a se reconhecer (e para além de si mesmo outra coisas, sem dúvida), e este “reconhecimento” não está sempre no fim da viagem que se faz: na verdade, quando ele ocorre, a viagem está concluída.

“É bem verdade, portanto, que nessas imensas solidões em que um homem deve atravessar do nascimento à morte, existem alguns lugares, alguns momentos privilegiados em que a visão de uma região age sobre nós, como um grande músico sobre um instrumento banal que ele revela, falando propriamente a si mesmo. O falso reconhecimento é o mais verdadeiro de todos: reconhece-se a si mesmo: e quando diante de uma cidade desconhecida a gente se admira como diante de um amigo que se tinha esquecido, é a imagem verídica de si mesmo que se contempla”.

 

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AS ILHAS

Autor: Jean Grenier
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 27,30 (168 págs.)

 

 

 

 

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