“Muitos poetas chegam a escrever grandes poemas, poucos compõem uma grande obra”, Alcides Villaça disse sobre Ferreira Gullar. Sobre si, Villaça observa que não compõe livros; simplesmente escreve poemas, de forma assistemática, e os reúne em livros. Foi assim com este Ondas curtas, coletânea de 71 poemas inéditos escritos ao longo dos últimos anos. Alcides Villaça é o professor especialista em literatura brasileira na Universidade de São Paulo. Como crítico, já realizou trabalhos importantes de análise sobre as obras de Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar (poeta que analisou em seu doutorado, defendido em 1984, sob o título “A poesia de Ferreira Gullar”) e Manuel Bandeira.
Ondas curtas, lançado no final de março pela Cosacnaify, é o seu quarto livro de poesia. Antes dele, Villaça já havia lançado o poema-livro infantil O invisível (Editora 34, 2011), Viagem de trem (Duas cidades, 1988) e O tempo e outros remorsos (Ática, 1975).
O livro é composto por poemas curtos, o que denota o caráter de alta frequência já sugerido pelo título do livro. Para estabelecer um mínimo de organização – ou, como diz Villaça, um simulacro de organização –, os poemas estão dispostos em seções, separadas por temas: “Câmara de eco”, “Suas sombras”, “Playback”, “Notícias” e “Surdina”. À maneira de um concerto, como solos de naipes, as seções delicadamente sobrepõem-se e harmonizam-se, formando, ao longo da reunião de poemas, um retrato da vida do poeta, passando pelo ofício do professor, pelo amor pela música e pela literatura, lembranças da infância, instantâneos de São Paulo, bem como amores e perdas. Seus poemas tem um estilo ao mesmo tempo simples e profundo
O poeta, em entrevista, contou sobre sua entrada no mundo da leitura: “Eu era menino e analfabeto, olhava a minha mãe pegando as latas de mantimentos. Eram todas iguais. Ela abria a lata certa para tirar o arroz, o feijão, a farinha, e eu imaginava: “Se as latas são iguais, como é que ela sabe?”. Descobri as tais das letras que ela pintava nas latas. Eu comecei a associar a ideia de que as letras diferentes se referiam a coisas diferentes. Comecei a copiar as letras. Foi assim que me alfabetizei, juntando arroz com a palavra “arroz”, feijão com a palavra “feijão”. Alfabetizado, comecei a ler Monteiro Lobato. Quando fiz 8 anos, meu pai me deu uma coleção completa, dezessete volumes, capinha verde. Li todos, várias vezes. Morei naquele sítio durante anos. Uma relação fortíssima que eu tive com a verdade da ficção. A ficção, você vive como se fosse um elemento do seu cotidiano. Não há diferença entre a verdade da ficção e aquela que você vive na prática porque você está inteiro em ambas”.
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Dobradura
Pareceu-me cicatriz do teu rosto
a marca no papel fotográfico.
Pareceu-me especial efeito
a luz (tão viva) dos velhos olhos teus.
Pareceu-me, enfim, amarga essa foto,
como boneca dormindo de mentira
qual menina morta de verdade.
Assim as fotos, espelhos de alma própria:
parece que são tudo o que olham
e se enganam nas verdades, e acertam nas mentiras
– porque refletem nos desejos outra luz,
e em outras luzes o mesmo desejo.
Também ocorre que nada mais reflitam
quando se guardam num cristal fechados
nas pálpebras do tempo
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Autor: Alcides Villaça
Editora: Cosacnaify
Preço: R$ 17,50 (112 págs.)