Linguagem e mito, de Ernst Cassirer (1874 – 1945), foi publicado originalmente em 1924. Sua primeira e talvez definitiva tradução no Brasil foi feita por Anatol Rosenfeld e publicada em 1972.
Cassirer pensa a linguagem e o mito como correspondentes de uma mesma maneira de pensar, grosso modo, metafórica.
Argumentando a partir de trabalhos filosóficos e filológicos, ele começa sua investigação questionando a possibilidade de leitura da essência de cada configuração mítica enquanto intimamente relacionada ao nome, colocando sob análise a identidade latente entre o nome e a coisa. Reflete sobre a delimitação da essência em conceitos, baseando-se em noções kantianas, das quais decorre-se que as formas intelectuais devem ser tomadas não como representações ou símbolos, mas como geradoras de seu próprio mundo significativo.
Entre a formação de conceitos linguísticos e religiosos há coincidências essenciais. O pensar mítico e o linguístico partilham uma função do próprio ato de configurar; atua, em ambos, a mesma forma de concepção mental, são ramos diversos do mesmo impulso de enformação simbólica: uma tendência do pensamento à compressão, concentração em um só ponto, que determina o real acento da significação. O mundo da poesia move-se livremente entre a palavra e a imagem mítica, apreende-as como órgãos.
Como diz Anatol Rosenfeld na introdução ao livro, o ensaio de Cassirer “é de sumo interesse, primeiro como brilhante análise das conexões entre língua e mito, análise atualíssima, decerto não pelo material etnológico, mas pelo processo da indagação; e, em segundo lugar, pela exposição concisa e lúcida dos pontos basilares da filosofia das formas simbólicas”. Rosenfeld conclui: “Sendo cada forma simbólica um modo específico de ver, uma direção ou enfocação mental sui generis, Cassirer procura determinar neste ensaio os modos peculiares de configuração e enformação que se manifestam na linguagem e no mito. […] O ensaio é, portanto, em essência, uma indagação sobre a função e a lógica específicas dos conceitos (primários) da língua e do mito, apresentados como profundamente distintos dos conceitos cognoscitivos elaborados pelas ciências”.
Cassirer foi um dos maiores representantes de uma das escolas que retomaram e renovaram o pensamento kantiano no século XX. Desenvolveu reflexões de profundo interesse para as pesquisas histórico-culturais. Sua obra principal, verdadeiro monumentos filosófico, A filosofia das formas simbólicas, dividida em três volumes, teve algumas de suas principais ideias condensadas e desenvolvidas no seu famoso Ensaio sobre o homem. Ao pensar as formas simbólicas, ele visa apreender os modos de objetivação que caracterizam a arte, a religião e a ciência e, sobretudo, a linguagem e o mito; base a um só tempo de uma antropologia filosófica e de uma filosofia da cultura, cuja unidade é encontrada no reconhecimento de uma atividade simbolizante humana.
_____________
“Em lugar de medir o conteúdo, o sentido, a verdade das formas espirituais por algo alheio, que deva refletir-se nelas mediatamente, cumpre descobrir, nestas próprias formas, a medida e o critério de sua verdade e significação intrínseca. Em lugar de tomá-las como meras reproduções, devemos reconhecer, em cada uma, uma regra espontânea de geração, um modo e tendência originais de expressão, que é algo de antemão dado em rígidas configurações de ser. Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência se tornaram símbolos: não no sentido de que designam, na forma de imagem, na alegoria indicadora e explicadora, um real existente, mas sim, no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo significativo”.
_____________
Autor: Ernst Cassirer
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 22,40 (128 págs.)