O poeta Augusto de Campos acaba de lançar um novo livro, Outro.
“Eu mordo o que posso”, diz o poeta. O livro traz, segundo sua introdução, “novos poemas, intraduções e outraduções (remixes visuais). Achei curioso e ao mesmo tempo estranho o uso dessa palavra em discos americanos e custei a me dar conta de que se tratava de um termo musical, uma palavra-valise que sai do ‘in’ para o ‘out’, revertendo o sentido de INTRO. E que indica a diferente performance de uma faixa anterior ou algum outro ‘bonus’ – um ‘extro’. Outro outro. Outradução, extradução? Seja o que for, gostei da palavra ambígua.”
Há, ao fim do livro, indicações de clip-poemas, que podem ser vistos na internet.
Tendo passado doze anos sem publicar seus poemas em livro, Augusto de Campos declarou:
“E é com este OUTRO, que pode ser também o último bônus de meu trabalho poético, que ouso ex-pôr estes novos poemas. Sobrevivente, para o bem ou para o mal, não posso deixar de completar o que comecei, o quanto me for possível”.
Em entrevista ao jornal O Globo, o poeta disse: “O golpe militar de 1964 desarrumou nossa utopia construtivista. Tentamos fazer o mais difícil: uma poesia engajada sem concessões às ‘palavras da tribo’”. Sobre sua produção recente, analisou: “Não sei se o que faço é ainda poesia concreta. Certamente não se enquadra na fase “ortodoxa” dos poemas minimalistas bauhausianos, que foi até o início dos anos 60, pautada pelo projeto (não decreto) do “Plano-piloto para a Poesia Concreta”. O golpe militar de 1964 desarrumou nossa utopia construtivista. Acrescentamos ao Plano um p.s. extraído de Maiakóvski, “sem forma revolucionária não há arte revolucionária”— e tentamos fazer o mais difícil: uma poesia engajada sem concessões às “palavras da tribo”. Parti com Waldemar Cordeiro para a arte concreta semântica, os “popcretos” que expus em dezembro daquele ano na galeria Atrium, no centro de São Paulo. Os tipos “futura” deram lugar à tipografia errática dos jornais e revistas para uma “explosição de expoemas colhidos e escolhidos no aleatório dos ready made”, no “caos antropofágico brasileiro redestruído pela manchetomania de um anarquiteto”. Terminada a mostra, quando fomos retirar os trabalhos, todos estavam danificados com insultos e palavrões. Num dos meus poemas escreveram a palavra “lixo”. Foi o toque para o poema LUXO, que publiquei no ano seguinte com os fototipos “kitsch” que vi num anúncio de apartamentos “de alto luxo”, e que compus de modo a formar, como um palavrão-poema gráfico, o reverso LIXO. Depois dos “popcretos” passei a organizar meus poemas com “letraset“ e, por último, com fontes digitais que exploram a iconicidade. Nessa área de pesquisa se situa o poema “Ter remoto”, inspirado no “efeito borboleta” de Lorenz. Fiquei talvez mais “pop”. Mas sempre “verbivocovisual”. Sobre a dimensão política da poesia em geral e, em especial, da poesia concreta, Augusto de Campos, ainda na mesma entrevista, pontuou: “Toda poesia já tem em si mesma uma dimensão política. Em essência, o poeta está em estado de greve. Mas sofre também os impactos emocionais do seu contexto, e a poesia concreta não pôde ficar indiferente a eles. “Brazilian ‘football’” foi publicado em setembro de 1964 no “Times Literary Supplement” de Londres em páginas que divulgavam a poesia concreta brasileira. Com ele eu denunciava, em tempo relativamente real, passando de GOAL a GAOL (“cadeia”), as prisões da ditadura: “1958 — Goal. Goal. Goal. 1962 — Goal. Goal. Goal. 1964 — Gaol. Gaol. Gaol“. A data 2014 se refere ao novo layout com o qual relembro o poema. Ao revisitá-lo, pensei em uma “desomenagem” ao golpe de 1964. Hoje, dedico-o aos golpistas de todos os matizes do presente, chupins desmemoriados do poder”.
Outra declaração do poeta, interessante e polêmica, foi sobre o uso poético dos programas de computador: “Desde o início da década de 1990, quando adquiri o meu primeiro computador doméstico, passei a produzir diretamente nele. O computador abriu todas as possibilidades que eu vislumbrava no prefácio a esses poemas: “Mas luminosos ou film-letras, quem os tivera!”. Hoje, com um simples processador de textos, realizo em minutos o que eu levava horas para montar em minha máquina de escrever. Ainda “jovem”, aos 60 anos, estudei softwares de desenho e de animação e pude, sem sair de casa, utilizar todos os recursos que queria. Cores, sons, ação. A princípio converti poemas escritos em versões animadas. Depois passei a pensá-los na linguagem digital. Como afirmo no prefácio atual, “Outronão”, Walter Benjamin foi profético quando previu, sob invocação do “Lance de dados“ de Mallarmé, que no futuro o poeta ao abrir um livro veria desabar sobre ele uma nuvem de letras-gafanhotos móveis e coloridas e teria que aprender a lidar com grafias e diagramas. Não quer dizer que toda poesia deva seguir esse caminho. Mas para mim é um caminho estimulante. Alguns textos de “Outro” são formas estáticas de poemas que parecem pedir movimento. Outros têm versões animadas que me permitem explorar as virtualidades cinéticas e icônicas da palavra. A internet é o veículo ideal para eles”.
Também a capa, o projeto e execução gráfica de Outro são de autoria do poeta.
Autor: Augusto de Campos
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 41,30 (120 págs.)