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Guia de Leitura

Contos de fadas para adultos

19 dezembro, 2015 | Por Isabela Gaglianone

O fantástico, o imaginário, podem ser polissêmicas maneiras de colocar em questão, simbolicamente, noções morais, políticas, ideológicas intrigantes.

Os contos de fadas são, sob esse viés, conhecidos como meios didáticos, cujo intuito é sensibilizar a criança em relação ao conhecimento do mundo. Porém, os contos inseridos em um universo lúdico ou mágico são fontes amplas de inspiração metafórica, também, ou talvez sobretudo, aos adultos, para interpretar a natureza humana.

É por isso que Walter Benjamin, por exemplo, considera os contos de fadas como a fonte originária da narrativa e como primeiros conselheiros, não só das crianças, mas de toda humanidade. Orais por natureza, os contos de fadas são formas de exercer a faculdade de intercambiar experiências[i]; através dessa troca, a imaginação torna-se crítica e o encantamento do mundo, uma arma para desencantá-lo.

 

Giorgio Manganelli, "Pinóquio: um livro paralelo"

Giorgio Manganelli, “Pinóquio: um livro paralelo”

Giorgio Manganelli, em Pinóquio: um livro paralelo, destrincha a forma da fábula, mostrando, no caso da história da marionete de madeira, as inúmeras outras histórias que por trás dela se escondem. Manganelli, grande romancista e intelectual italiano, desvenda o quanto esse conto de fadas, na verdade, é rico em significados na leitura de um adulto. O livro aponta o sentido oculto das desventuras de Pinóquio e o verdadeiro significado de personagens, analisa a tirania e a benevolência de Gepeto, o papel pedagógico do Grilo-Falante, as metamorfoses da Fada e as dúvidas existenciais de Pinóquio, dividido entre a desobediência e a vontade de ser um bom menino, para poder se transformar em uma criança de carne e osso.

Uma das fabulosas ideias do autor é que a definição de marionete que é dada a Pinóquio corresponde, por um lado, a uma condição moral, de “nudez”, e, por outro lado, a uma condição social, de “inocência”, ambas ligadas à infância e ao mesmo tempo também à pobreza. Além disso, as fugas do boneco guardam, Manganelli analisa, sentidos filosóficos, e a cidade de “Enrola-Trouxas” e o “País dos Brinquedos” seriam metáforas da realidade cotidiana e comum.

Segundo Jamille Rabelo de Freitas, em artigo, do conto pode-se extrair uma “moral da fome”: “É fato que a fome de Pinóquio está sempre relacionada à moralidade e isto vemos já no capítulo 7, onde ele se recusa a comer as cascas e os miolos das peras e Gepeto, pacientemente as guarda”; e, no capítulo 20, “Pinóquio, tomado pela fome alucinante, invade uma fazenda para roubar uvas e acaba caindo em uma armadilha, pela qual é punido tendo que se submeter a realizar a função de cão de guarda”. É essa fome que, diz Manganelli, “o faz temerário e aventureiro”.

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