“Serão 13 horas talvez, não sei… Ando já meio perdendo a noção de horário nesta vida viajeira. Até a noção dos nomes topográficos. Me esqueço de perguntar por onde passo, ando misturando tanto as coisas que deixei de ser um indivíduo compreensivo para me tornar essencialmente, unicamente mesmo, sensitivo”. Estas são palavras d’O turista aprendiz de Mário de Andrade – diário de duas viagens do autor, uma para a Amazônia e outra para o Nordeste, felizmente relançado em 2015, em parceria entre o IEB-USP e o IPHAN, porém completamente indisponível.
A literatura de registro mescla observações, reflexões científicas e de cunho pessoal, tornando o relato de viagem uma escritura especial, pois configura uma possibilidade de pesquisa que alia, a um só tempo, o relato, os objetos encontrados e as experimentações pessoais.
Ermanno Stradelli (Borgotaro, Emilia-Romanga, 1852 – Manaus, Amazonas, 1926) foi um conde italiano que aos 27 anos decidiu ir viver na Amazônia. Atravessou o Atlântico, abandonando o reduto das práticas refinadas de um europeu culto, para mergulhar, em 1879, nas profundezas apaixonantes e sinuosas da floresta, movido por sua impetuosa curiosidade. Tornou-se perspicaz fotógrafo, etnógrafo, colecionador, dicionarista, tradutor, geógrafo e desbravador de mitos.
A coletânea A única vida possível: itinerários de Ermanno Stradelli na Amazônia busca ilustrar alguns dos vários perfis da múltipla atuação de um pesquisador que, entre os séculos XIX e XX, desempenhou um delicado papel de intérprete, revelando a Amazônia indígena para o público culto do Brasil e da Itália.
O livro foi lançado no ano passado, sob organização da pesquisadora Livia Raponi, pela editora Unesp. O volume compreende ensaios inéditos de especialistas brasileiros e italianos, em diferentes disciplinas. Conta ainda com uma seleção de fotografias e mapas realizados pelo viajante, cedidos pela Sociedade Geográfica Italiana.
Trata-se de uma reunião que retrata a multiplicidade deste personagem, publicada no ano que homenageou os 90 anos de sua morte. Um livro revelador sobretudo de sua relevância enquanto interlocutor das culturas indígenas amazônicas. Continue lendo