“A pesquisa dos textos sagrados sejam eles Marx ou Mao, Guevara ou Rosa Luxemburgo tem antes de mais nada a seguinte função: restabelecer uma base de discurso comum, um corpo de autoridades reconhecíveis sobre as quais instaurar o jogo das diferenças e das propostas em conflito. Tudo isso com uma humildade completamente medieval e exatamente oposta ao espírito moderno, burguês e renascentista; não tem mais importância a personalidade de quem propõe, e a proposta não deve passar como descoberta individual, mas como fruto de uma decisão coletiva, sempre e rigorosamente anônima. Desse modo uma reunião em assembléia se desenvolve como uma questio disputata: a qual dava ao forasteiro a impressão de um jogo monótono e bizantino, enquanto nela eram debatidos não só os grandes problemas do destino do homem, mas as questões concernentes à propriedade. à distribuição da riqueza, às relações com Príncipe, ou à natureza dos corpos terrestres em movimento e dos corpos celestes imóveis”.
Viagem na irrealidade cotidiana, de Umberto Eco, tece uma crítica ao falso e à cópia. A ironia da “cópia autêntica” é investigada pelo grande professor e intelectual italiano, à guisa de uma viagem pela costa Oeste dos Estados Unidos, visitando museus e mostrando o quanto há de “falsidade” no mundo contemporâneo, em geral, na cultura americana, em particular.
Eco perpassa analiticamente exemplos variados: as reproduções, em museus, de obras primas cujos originais encontram-se em outras partes do mundo; as construções de réplicas arquitetônicas, como o castelo construído na Califórnia com peças numeradas vindas da Europa e cujos cômodos foram preenchidos com cópias de pinturas e objetos; uma estátua de cobre na Grécia, que é cópia da “cópia autêntica” romana – cujo original com o tempo já se perdeu; a artificialidade da Disneylândia, cujas filas ele compara às do gado no corredor de abate; a transmissão manipulada das notícias pelo formato variado e efêmero dos telejornais.