O poeta russo Velimir Khlébnikov (1885-1922), foi, segundo Roman Jakobson, um dos mais inventivos autores do século XX. Khlébnikov foi mentor da vanguarda cubo-futurista e criou a linguagem zaúm, ou transmental, que é formada por sons abstratos. Seu trabalho exerceu forte influência na obra de Vladimir Maiákovski e em todo o movimento vanguardista da poesia russa.
A editora Bem-te-vi acaba de lançou recentemente a coletânea Eu e a Rússia, com textos escritos entre 1908 e 1922, selecionados e traduzidos por Marco Lucchesi, poeta, romancista, tradutor e professor de Literatura da UFRJ. A publicação é uma versão revista e ampliada de um pequeno livro independente lançado nos anos 1980.
O volume traz poemas que abordam os principais temas do autor: a curiosidade pelo espaço geográfico, o encanto com a cultura do Oriente, a paixão pela língua – expressa na exploração das raízes das palavras e de sua etimologia e na criação de neologismos. São poemas que revelam uma evolução poética a partir das origens simbolistas de Khliébnikov.
O livro conta ainda com nota biográfica e análise estilística da obra de Khliébnikov, assinadas pelo tradutor Marco Lucchesi, bem como uma apreciação sobre a presença de Khliébnikov no Brasil, pelo especialista em literatura russa, Valerii Bossenko. Além de uma entrevista realizada por Zóia Prestes com Lucchesi, sobre o ofício da tradução, e uma bibliografia selecionada. A publicação pretende oferecer, para além da tradução de um poeta muitas vezes citado como intraduzível, uma conceituação e discussão da arte da tradução.
No Brasil, vários de seus poemas foram traduzidos por Augusto e Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman, publicados na antologia Poesia Russa Moderna, além da prosa de ficção Ka,traduzida por Aurora Bernardini.
Graças à censura estética stalinista, o nome de Vielimir Khlébnikov foi omitido dos cânones literários. Apenas em 1928 suas obras completas foram publicadas, em cinco volumes e, atualmente, é reconhecido como um dos principais renovadores da literatura russa.
Segundo Boris Schnaiderman, no prefácio escrito ao livro Poesia Russa Moderna, a “obra anunciadora de Velimir Khlébnikov, não se parecia com nada do que se fizera anteriormente. Anulavam-se não só os clichês introduzidos pelo simbolismo, mas toda a linguagem convencional se desarticulava. Sua poesia parecia às vezes não ter sentido, mas, na realidade, o que ele trazia, na feliz expressão de Iúri Tinianov, era “um novo sistema semântico”. Ela só não tinha sentido para quem não conseguia apreendê-lo, nem perceber nele o verdadeiro significado dos novos tempos”.
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O lavrador, abandonando a enxada,
Contempla o voo de um corvo
E diz: em sua voz ressoa
A Guerra de Troia,
A ira de Aquiles,
O pranto de Hécuba,
enquanto voa
sobre nossas cabeças.
Na mesa empoeirada
O acaso criou na poeira
Seus estranhos desenhos.
Diz um menino curioso:
Essa poeira talvez é Moscou
E essa talvez é Chicago ou Pequim.
A rede de um pescador
Entrama as capitais da Terra
Nos laços da poeira,
Nas malhas dessa melodia.
E a noiva não desejando
Manter a poeira das unhas
afirma ao limpá-las:
Esplendem na poeira
Vivos Sóis e tantos mundos
De todo inatingíveis,
Fechados na matéria fria.
E Sirius resplandece sob as unhas
Rompendo com seu brilho a escuridão.
(Tradução de Marco Lucchesi)
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Autor: Vielimir Khlébnikov
Editora: Bem-te-vi
Preço: R$ 35,00 (80 págs.)
*A título de nota, incluímos aqui também um poema de Khlébnikov traduzido por Haroldo de Campos, escrito em 1910, “A encantação pelo riso”:
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!
Risonhai aos risos, rimente risandai!
Derride sorrimente!
Risos sobrerrisos – risadas de sorrideiros risores!
Hílare esrir, risos de sobrerridores riseiros!
Sorrisonhos, risonhos,
Sorride, ridiculai, risando, risantes,
Hilariando, riando,
Ride, ridentes!
Derride, derridentes!