Literatura

Escrever é estar sempre recomeçando

17 março, 2012 | Por rafael_rodrigues

Há quase dois anos enviei um email para diversos escritores com o seguinte pedido: “Você gostaria de falar sobre como escreve seus romances e contos? Como surgem as ideias, se tem algum ‘ritual’ ou ‘mania’ antes de começar a escrever, se dedica horários específicos para a escrita, essas coisas. Ou então listar 5 a 10 ‘mandamentos’ que todo escritor deve seguir?”

Esses depoimentos seriam publicados em uma série de matérias sobre o ato de escrever, mas as coisas não saíram conforme planejado, infelizmente.

Fiquei com alguns desses depoimentos na minha caixa de emails e recentemente, procurando por outra coisa, os encontrei, e resolvi publicá-los.

O primeiro a vir à luz é do romancista e contista André de Leones, autor de, entre outros, “Como desaparecer completamente“, “Dentes negros” e “Hoje está um dia morto“. No próximo sábado tem mais.

Com a palavra, André de Leones.

Eu escrevo à mão. A primeira versão de cada romance ou conto, pelo menos. Já tentei algumas vezes, mas nunca consegui começar uma narrativa diretamente no computador. Já aconteceu de eu começar alguma coisa e, ao perceber que estava ficando legal, imprimir, transcrever em um caderno, recomeçar e desenvolver à mão.

Gosto de uma série de cadernos da Tilibra chamada “Opus”. Custam em torno de dez reais. Assim, à medida em que arranco páginas e começo de novo e de novo e de novo, não preciso me lamentar por “desperdiçar” tantos cadernos.

Procuro escrever todos os dias, esteja em casa ou viajando (quartos de hotéis são sempre convidativos, posto que se encontram em outra dimensão). Há dias bons, em que a escrita flui bem, e dias ruins, em que ela flui mal ou simplesmente não flui. Em um dia bom, escrevo cinco ou seis páginas que, depois, ao serem revisadas e digitadas, viram duas, uma, meia página…

Como não tenho um emprego “normal”, que exija a minha presença em um escritório ou coisa parecida, costumo escrever durante todo o dia e parte da noite, com muitas interrupções. Paro para cozinhar e comer, ir ao mercado, namorar, assistir a um pouco de TV (adoro seriados, jogos de tênis e de futebol e telejornais), olhar para o tempo, responder e-mails, twittar, blogar e, claro, ler livros. Preciso sair para me encontrar com amigos, comer fora, comprar livros e passear pelo menos duas vezes por semana.

As ideias pipocam de todos os lugares, de uma conversa com alguém, de alguma história que ouço, de uma frase solta, de uma música, de uma cidade etc. A história que vou contar cresce a partir ou em torno dessa ideia primeira.

Antes de efetivamente começar a escrever um livro, penso muito sobre ele, sobre o que quero escrever. Procuro estabelecer uma relação de livros que se aproximem do que quero escrever, temática e/ou estilisticamente. Leio ou releio esses livros. Também procuro ver ou rever filmes que tenham a ver com o projeto. Música é sempre importante. Gosto de escrever ouvindo música. Radiohead, Brahms, Wagner, Philip Glass. Também procuro esboçar uma estrutura antes de começar. Será narrado em terceira pessoa? Em primeira? Em várias primeiras pessoas? O tom será contido ou desbragado? Será dividido de que forma? Depois, quando efetivamente começo a escrever, essa estrutura esboçada antes pode ou não ser respeitada.

De resto, escrever é reescrever, revisar, repensar, tentar de outras maneiras, desistir, retomar, jogar tudo fora, correr até a lixeira e pegar de volta, recomeçar. Escrever é estar sempre recomeçando.

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