O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.
Um dos poemas utiliza quatro versos de “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.
Para o editor e poeta Reynaldo Damazio, a “figuração do abandono, expressa tanto nos restos de madeira na areia como nos corpos dos animais sobre o asfalto, aponta também para a dispersão das palavras na antiutopia do poema, como escolhos de uma experiência que se apaga com as ondas, ou que se acumula como algas ao acaso das marés, escavando no pântano da vertigem os “troncos sólidos e cachorros mortos”. Essa palavra incerta, errante, não resolve o desconcerto do mundo, a solidão do poeta, a degradação, o hiato entre os sentidos e a representação”.
Já segundo o poeta e crítico Ronald Augusto, em resenha à revista Sibila: “A tentativa de decomposição dos signos por meio da autorreflexividade, que surge já na capa, uma autorreflexividade insistente, quer do serialismo verbal almejado no desenho sintático dos poemas, quer do colecionismo na sequência de fotografias que estetizam as carcaças animal e vegetal (graças ao registro cotidiano de suas ocorrências), pode nos servir de ponto de apoio para a compreensão liminar do mais recente trabalho de Nuno Ramos. Não obstante as objeções à possível impertinência do meu ponto de vista, não posso deixar de assinalar aqui que as séries de fotos entremeadas aos blocos de poemas se mantêm mais firmes do que eles, os poemas. […] Não é novidade que um poema, em sua construção, incorpora achados, efeitos fônicos, trocadilhos, diatribes de sentido e som, enfim, esses elementos que Roman Jakobson chama de “equações verbais”. Um poema pressupõe esses insumos ou escapes, mas não se esgota neles. Junco é um livro que congela uma série desses recursos que, no entanto, não resultam em poemas contundentes”.
Sofia Nestrovski, em resenha publicada na Revista Cisma, pondera: “Há muito o que falar sobre Junco […]. Há muito o que falar, porque há muito o que ler neste livro”. Para ela, Nuno Ramos apresenta nesta obra, em primeiro plano, um mundo claustrofóbico e, em “outro plano, porém, propõe diferentes maneiras de questionar esta linguagem asfixiante. Junco abre um caminho para nos levar das areias de uma praia em que as ondas só conseguem traçar um mesmo movimento pendular e enrijecido, rumo ao mar aberto onde tudo é ainda possibilidade”.
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Tão nítida que pus as lentes negras:
Praia
formada por palavras
montes de palavras
dejetos de palavras
mascadas, cuspidas
que o vento arrastava
e tecia
formando
(incrível!)
poemas.
Eu, ai, movia sozinho
os montes de poeira e signo
com a matéria dos meus braços
e pás, as
pás
eram parte desses braços
cavando
covas
onde pudesse achar
melancolia muda
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Autor: Nuno ramos
Editora: Iluminuras
Preço: R$ 24,50 (120 págs.)