Arquivo da tag: Flora Süssekind

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O Brasil não é longe daqui

19 outubro, 2015 | Por Isabela Gaglianone
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Publicado em 1990 pela Companhia das Letras, o interessante estudo de Flora Süssekind, O Brasil não é longe daqui – O narrador, a viagem, alia análise histórica a um olhar atento ao lirismo de seu material: por entre charadas, textos de divulgação científica, estampas de plantas e animais, pequenas biografias e casos curiosos, Süssekind trata do narrador de ficção na literatura brasileira, o qual surpreende em pleno movimento, ao longo do processo histórico de sua formação, desde os relatos de viagens – fundamentais para a criação de um imaginário paisagístico do Brasil –, mediados pela figura de um narrador-viajante que, mutante – ora cartógrafo, ora historiador, ora cronista –, daria as cartas na nossa prosa de ficção romântica.

A análise de Süssekind primeiro investiga e data “a constituição de um narrador de ficção na prosa brasileira”. Ao mesmo tempo, partindo de “uma questão específica no campo da historiografia literária”, analisa a noção do “começo histórico, da ‘origem’ entendida como processo de emergência e singularização, em meio a escolhas, repetições e diferenciações, figurações e recomposições diversas”. Assim, delimitando a caracterização que tanto constitui, quanto origina o narrador de ficção, a autora acompanha o narrador-viajante desde seu surgimento, nas décadas de 1830 e 1840, na prosa ficcional brasileira.  Continue lendo

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A matéria da poesia

18 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro Junco, de Nuno Ramos, reúne poemas articulados a fotografias realizadas, ao longo dos quatorze anos de elaboração do livro. As fotos e os versos são protagonizados por cães largados no asfalto e cadáveres de árvores sobre a areia, imagens das águas e da praia e de fragmentos; o conjunto entre imagens e palavras foi considerado, por alguns, um diálogo perturbador, por outros, a redução dos poemas a meras legendas. Publicado pela editora Iluminuras, em 2011 é o primeiro livro de poesia de Nuno Ramos.

Um dos poemas utiliza quatro versos de  “A Máquina do Mundo” de Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso, mesmo antes de sua publicação, Junco tenha ganho como epíteto “a máquina do mundo cão”, como apontou a crítica literária Flora Süssekind: no texto de orelha ao livro, ela analisa: “Não é preciso adivinhar a referência à busca do sentido do mundo, à “total explicação da vida” que espantosamente se abre aos olhos de um caminhante solitário, ainda que para se recolher, logo em seguida, e sem desfazer o enigma, como no poema de Drummond. A máquina do mundo se expõe diretamente aí em nota e em recortes brevíssimos, encravados nos textos”.

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Poética do real

18 dezembro, 2013 | Por Isabela Gaglianone

A portuguesa Adília Lopes é uma das poetas de maior destaque hoje em seu país. Já foi traduzida para diversos idiomas e, no Brasil, as editoras 7 Letras e Cosacnaify, em coedição, publicaram a Antologia, seleção de poemas organizada pelo poeta Carlito Azevedo, que contém poemas desde seus primeiros livros, O poeta de Pondichéry, de 1986, e O decote da dama de espadas, de 1988, até trabalhos mais recentes, como Florbela Espanca espanca, de 1999, e O regresso de Chamilly, publicado em 2000. A edição brasileira conta também com posfácio de Flora Süssekind.

A poesia de Adília é pontuada por um humor irônico, através do qual seus versos encontram situações corriqueiras e cotidianas. Ela diz, sobre sua poesia: “Há sempre uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade naquilo que escrevo”.

Eucanaã Ferraz, na bela resenha ao livro Antologia – texto intitulado “De monstros e monstruosidades” –, analisa: “O universo absolutamente trivial dos versos guarda qualquer coisa de artificial, de antinatural: há sempre uma ordem estabelecida – moral, estética, comportamental – que soa “estranha”. Disposições e arranjos sociais mostram-se em precário equilíbrio, e quando se desagregam substancialmente logo tudo se reorganiza e restaura, pouco importando a que preço. […] A banalidade e o absurdo equivalem-se numa espécie de esvaziamento entre o cínico e o sádico […]. O grotesco, na poesia de Adília Lopes, recusa o fantástico: o real é a grade perversa que os poemas nos impõem, da qual não nos libertamos nem na forma nem no conteúdo”.

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