Crítica Literária

lirismo metalinguístico, poética acadêmica

19 março, 2014 | Por Isabela Gaglianone

[…] A experiência da imagem, anterior à da palavra, vem enraizar-se no corpo. A imagem é afim à sensação visual. O ser vivo tem, a partir do olho, as formas do sol, do mar, do céu. O perfil, a dimensão, a cor. A imagem é um modo da presença que tende a suprir o contato direto e a manter, juntas, a realidade do objeto em si e a sua existência em nós. O ato de ver apanha não só a aparência da coisa, mas alguma relação entre nós e essa aparência: primeiro e fatal intervalo. Pascal: ‘Figure porte absence et présence’.

O belo livro O ser e o tempo da poesia, do professor e crítico literário Alfredo Bosi, foi publicado originalmente em 1977, pela Editora da Universidade de São Paulo. Em 2000, foi trazido de volta ao mercado editorial brasileiro pela Companhia das Letras. Interessado pela investigação do “ser” e da “origem” da poesia, numa chave de leitura que retoma ideias desenvolvidas pelo filósofo italiano Vico, ele procura pensar o primado da linguagem poética em uma nova ordem de valores – a alteridade estranha das coisas e dos homens, o pensamento humano enquanto sonoro, a formação de imagens, o ritmo do discurso poético a música na linguagem.

Em entrevista ao Estado de São Paulo, Alfredo Bosi falou sobre o título que, ao contrário do que aparenta, nenhuma menção faz à filosofia heideggeriana. Segundo ele, a inspiração do livro “tem muito a ver com a ideia da força do tempo. No caso de Heidegger, ele instituiu uma metafísica do ser, opondo o ser à temporalidade. A existência autêntica seria aquela que sabe que vai morrer, a única verdade que o tempo nos dá. Nós somos o ser-aqui, o homem em face da finitude, e o tempo é a própria substância dessa finitude. Que estética pode nascer de uma visão tão radicalmente ancorada na ideia da morte? A poesia autêntica seria a que nos fala e nos prepara para a finitude. Há uma coerência extraordinária em Heidegger. Mas não é a minha visão existencial”. A respeito dessa sua visão existencial, Bosi afirma voltar-se “à posição de Hegel, em que o tempo não é só o destruidor, fora do qual há nada. Quando penso em tempo, penso numa vasta dimensão histórica, em que o presente não é o fim do passado, o presente é uma duração que prepara o futuro – e esse percurso tem sentido, dentro da história humana. […] É graças à memória que o tesouro das experiências humanas é conservado, dialetizado, levado à frente. Por isso, escrevi o ser e o tempo não como dois absolutos metafísicos, mas o ser e o tempo da poesia”.

Os primeiros estudos do livro tratam do som, do ritmo do andamento, características consideradas formais dentro da poesia. Bosi não somente as descreve, e classifica – um aspecto tradicional da teoria literária –, mas preocupa-se em mostrar o significado dessas formas, articular as relações dos sons com o sentido, discutindo o caráter dessas relações, analisando-as enquanto sociais, ou culturais. Para ele, as mensagens são trabalhadas em determinados ritmos: o ritmo tem um sentido, uma expressão, resultantes de uma intenção. Disso decorre o reconhecimento da força da ideologia ao longo das análises tecidas no livro. Dentre os seis capítulos que compõem o livro, há um sobretudo especial, o quinto capítulo, intitulado “Poesia Resistência”, no qual Bosi define como um poema pode atravessar o tempo.

Segundo o poeta José Paulo Paes: “As palavras ‘ser’ e ‘tempo’, no título deste volume, definem as tônicas dos seis ensaios que o constituem. São ensaios no sentido mais nobre do gênero: jogo criativo da inteligência a mover-se, alerta e sensível, no espaço que vai do geral ao particular; dos parâmetros da essência às formas de sua atualização histórica; do ser ao tempo da poesia”. Nas palavras do poeta, o “ser da poesia – a imagem que ‘busca aprisionar a alteridade estranha das coisas e dos homens’; o som no signo, ‘a figura do mundo e a música dos sentimentos’ recuperadas via linguagem; o ritmo da frase do discurso poético, ‘imagem das coisas e movimento do espírito’. O tempo da poesia – a resposta dos poetas ao estilo capitalista e burguês de viver, desde ‘o autismo altivo’ do ‘símbolo fechado’ à paródia negativista que ‘brinca com o fogo da inteligência’; os valores religiosos, éticos e políticos da ideologia a fundarem a unidade de perspectiva na Divina Comédia; Giambattista Vico, ‘mente poética em tempos analíticos’ que investigou ‘o ser da Poesia, em termos de linguagem’, numa abordagem antecipadoramente estrutural”.

 

 

 

O SER E O TEMPO DA POESIA

Autor: Alfredo Bosi
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 32,20 (280 págs.)

 

 

Send to Kindle

Comentários