“[…] a fotografia é um objeto teórico e incide de maneira reflexiva tanto sobre o projeto crítico como sobre o projeto histórico que a escolhem como objeto”.
O fotográfico, de Rosalind Krauss, é uma reunião de interessantíssimas maneiras de tomar a fotografia como rico objeto teórico, não apenas em si mesma, mas enquanto potencialidade multiplamente significativa. São ensaios eruditos, de envergadura filosófica, que abrangem a arte e o próprio mundo contemporâneos. O livro inicia com um ensaio que investiga os espectros, registros fotográficos da emanação da luz de um corpo, tomando o daguerreótipo com o retrato de Honoré de Balzac como estopim retórico para pensar a fotografia como índice, registro semiótico de uma presença, colocada como causa no mundo que afeta o signo que a representa.
Em diálogo com Walter Benjamin e Roland Barthes, Krauss aponta problemáticas em que filosofia e história e teoria da arte entroncam-se. Em O fotográfico, ela discorre a partir da fotografia, não apenas sobre ela.
Hubert Damish, no prefácio, escreve: “Os textos reunidos por Rosalind Krauss sob o título O fotográfico transgridem a lei do gênero, na medida em que a autora, em vez de escrever sobre a fotografia, é tentada a escrever contra ela: não exatamente contra a fotografia, mas contra uma determinada maneira de escrever sobre ela e, em particular, sobre sua história. De modo que este livro, extraordinária testemunha da irrupção da fotografia no campo da crítica, assume posição de ruptura com o discurso dominante e vai de encontro a ele, porque age à maneira de um corpo estranho que perturba sua economia excessivamente regulamentada.
Parte do interesse suscitado por este livro nasce da preocupação da autora em entender a receptividade da fotografia por parte do público a partir da sua experiência pessoal, de seu próprio percurso crítico. Porque a fotografia é tão importante hoje para nós? A esta pergunta, que formulou sem rodeios, Rosalind Krauss soube dar uma resposta singular, subjetiva (como tem que ser quando se trata de julgamento estético), mas que, por apresentar essa mesma subjetividade e singularidade, se reveste de maior valor”.
Silvio Demétrio, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, em artigo publicado na revista discursos fotográficos, aponta com precisão o cerne da reflexão de Rosalind Krauss ao longo do livro; segundo ele: “A autora se integra numa linha diferencial de abordagem sobre o tema, convergindo com os procedimentos típicos de Gilles Deleuze quando esse elege como tema o cinema. Não se trata de um livro “sobre” fotografia, assim como Deleuze não escreve “sobre” cinema. Para ela, a fotografia é, acima de tudo, um objeto teórico, o que significa que o que interessa à professora da Universidade de Columbia é o que a fotografia permite pensar. Neste sentido, Krauss escreve “a partir da fotografia”, buscando cartografar os territórios que ela sugere para além de suas fronteiras estratificadas”.
Segundo Marina Takami, no artigo “Fotografia na história da arte”: “Na leitura que Rosalind Krauss faz da obra “La mariée mise à nude par ses célibataires, même” (A noiva despida por seus celibatários, mesmo) de 1915-1923, conhecido como o “Grande vidro”, de Marcel Duchamp (1887-1968) vê o artista preocupado com a reflexão sobre a natureza do fotográfico. […] O vidro abre a superfície para o contato direto e constante com o real. […] o título é sugestivo e não revela os enigmas da obra. Mesmo nas ‘Notas’ para o “Grande Vidro”, publicadas em 1934, Duchamp mantêm os mistérios. No entanto, ao revelar nestas ‘Notas’ alguns procedimentos de realização da obra o artista nos informa sobre os vínculos do “Grande Vidro” com a fotografia. Sabe-se, por exemplo, que “os pistões de corrente de ar” são resultantes de três momentos fotográficos que, ao serem transferidos para o “Grande Vidro”, deixaram de ser fotografias mas mantiveram o aspecto de traço da produção. Desta forma o fotográfico está presente nesta obra de Duchamp pelo seu caráter indicial. O registro ou o traço nem sempre se parece com aquilo que representa, como estamos acostumados na fotografia de sombras ou no fotograma. Segundo Krauss,
o que a arte de Duchamp sugere é que esta mudança da forma das imagens que se constituem progressivamente no nosso entorno arrasta consigo uma mudança na estrutura dominante da representação. […] Isto quer dizer que o modo de produção dos signos afeta os próprios processos do conhecimento (KRAUSS, 2002, p.92)”.
Um dos instigantes ensaios de O fotográfico, “Os espaços discursivos da fotografia”, pode ser visualizado pelo site da Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA – UFRJ. No texto, a autora investiga o advento das noções de autor, obra e gênero nas fotografias, que, antes, participavam mais do espaço discursivo do conhecimento do mundo que da arte.
Autor: Rosalind Krauss
Editora: Gustavo Gili
Preço: R$ 80,00 (238 págs.)