Hanói, romance de Adriana Lisboa, é um dos finalistas do Prêmio Portugal Telecom deste ano. Trata-se de uma narrativa tocante sobre deslocamentos, sobre o transitório, sobre a miscigenação cultural. A história desenvolve-se no encontro inusitado entre duas personagens díspares, porém com uma história comum: ambos imigrantes lutando cotidianamente por sua sobrevivência nos Estados Unidos, contornando as adversidades culturais e a sutil xenofobia que permeia suas vidas, vivendo em meio a uma mescla de hábitos e culturas, num mosaico de identidades. A narrativa de Adriana Lisboa tece uma história de amor, de renúncia, de escolhas que calam profundamente nas vidas daqueles que as envolvem.
Um dos protagonistas, David, filho de mãe mexicana e pai brasileiro, apaixonado por jazz e aspirante a trompetista, então na casa dos 30 anos, recorda-se de ter lido que os elefantes, quando sentem que estão próximos da morte morrendo, deixam suas manadas rumo a regiões pantanosas, onde encontrarão água, abrigo e alimento e onde enfim convalescerão. Ele lera essa informação em uma revista, no consultório médico que o diagnosticou com uma doença terminal no cérebro. Nada mais pode ser feito, a não ser medidas paliativas que retardem o desenvolvimento da doença – sua vida poderá durar “meses a mais, meses a menos, dependendo disso ou daquilo”; suas perspectivas futuras como músico esvaem-se.
Alex é uma moça vietnamita, vinda de uma linhagem de mulheres que se envolveram com americanos, primeiro na Guerra do Vietnã, agora em Chicago, onde tanto ela quanto David vivem. Alex é mãe solteira, além de ainda conciliar seus estudos e um trabalho em um mercado asiático
As duas histórias se entrelaçam e um desejo em comum os une – seguir rumo a Hanói.
Segundo Rinaldo Gama, em artigo sobre o livro publicado na Folha de São Paulo, a autora impôs-se “a espinhosa tarefa de tratar com leveza um tema complexo: a fragilidade da existência […] tendo como ponto de partida a lembrança cotidiana da transitoriedade de tudo – a sombra da morte –, recortada sob o pano de fundo do desenraizamento pátrio”. Segundo Gama, o “trunfo está na forma como a autora construiu o perfil psicológico de David, mais precisamente no modo como o fez encarar sua tragédia pessoal: “A única característica comum a todas as coisas, ele pensou, enquanto o embalo suave do metrô o jogava para a direita, para a esquerda, para a direita, para a esquerda, é que elas num determinando momento começam a existir e num momento deixam de existir”. Esse entendimento de David sobre o significado de estar no mundo, independentemente das origens, “exigiu” que a narrativa adotasse a leveza de que se falou no início, tornando indissociáveis aquilo que o romance quer dizer e a linguagem que opera para alcançar isso”.
Em resenha publicada no caderno Prosa e Verso do jornal O Globo, José Castello analisa: “É esfumaçada a atmosfera que envolve o belo romance de Adriana Lisboa. Medita David: a normalidade é fosca, exatamente como o céu de Chicago, mas agora ele precisa de um ponto de luz. Recusa o papel de doente: “Viraria um objeto com coisas a dizer, às quais ninguém prestaria atenção porque objetos não falam, e quando falam as pessoas fingem não ouvir”. O que fazer com o tempo que lhe resta? Luta para não permitir que a tristeza o obscureça: luta por um caminho que acolha a vida”. Castello conta que o protagonista David, “sem compreender o fio que ata vida e morte”, preocupa-se apenas que a despedida de sua vida seja lúdica: “Pergunta, então, a Alex para onde ela iria se pudesse fazer uma viagem. Precisa de um sonho,nem que seja de um sonho emprestado. Ela, sem vacilar, pensa na terra de seus antepassados: Hanói. “Eu preciso ir para algum lugar quando deixar o apartamento. Queria que alguém escolhesse para mim”. O destino de seus últimos “quatro ou cinco meses de vida” está traçado. Hanói se torna a Terra Prometida — embora não passe, hoje, de uma caótica metrópole de sete milhões de habitantes. Transforma-se na utopia que manterá David amarrado à vida. Não é algo que ele descobre, é algo que ele inventa. Se é possível continuar a inventar, ainda é possível viver”.
Em entrevista concedida ao blog Máquina de escrever, do jornalista Luciano Trigo, Adriana Lisboa, ao ser questionada sobre a combinação, em Hanói, do tratamento cuidadoso da linguagem habitual com, nas palavras de Trigo, “uma estrutura mais vaga, na qual o enredo parece importar menos que a o registro de estados emocionais e mentais dos personagens” e se isso marcaria uma mudança em sua literatura, pontuou: “O que vem mudando na minha literatura, penso, é uma predileção crescente pelo que é simples e direto. Pode parecer um paradoxo diante do que você chama de cuidadoso tratamento da linguagem, e de fato sou muito atenta para as minúcias do texto, mas ando cada vez mais afeita, nos livros e na vida (e como separar uma coisa da outra?), daquilo que em inglês é definido por uma expressão ótima: “no nonsense” – a intolerância ao que é irrelevante”. Na mesma entrevista, questionada sobre o desenraizamento, a autora disse: “Tem sido um tema recorrente de alguns anos para cá, nos últimos três romances. […] Ser imigrante é uma experiência bem vinda, porque isso me tira da zona de conforto e sublinha coisas que eu de hábito não notaria, tanto no lugar onde moro quanto no lugar de onde venho, já que mudei o ângulo de observação, mas também convivo com uma sensação muito grande de deslocamento no mundo. Vilém Flusser escreveu uma passagem que cito com frequência: “o cedro é estrangeiro no parque, eu sou estrangeiro na França, o homem é estrangeiro no mundo.” Essa “estrangeiridade” é insolúvel, portanto a literatura não é uma forma de me encontrar. É apenas uma forma de elaborar e expressar isso”.
A Alfaguara disponibiliza trecho de Hanói para visualização.
Autor: Adriana Lisboa
Editora: Alfaguara
Preço: R$ 39,90 (240 págs.)