Vencedor do Prêmio Jabuti deste ano, o romance Reprodução, de Bernardo Carvalho, é uma crítica ácida e contundente à reprodutibilidade de informações inócuas e à superficialidade do prestígio pessoal que são possibilitadas pela internet. Uma narrativa forte, ácida e instigante, que traz à tona profundas questões morais, latentes no mundo contemporâneo.
O protagonista é o estandarte da questão: trata-se de um homem, “o estudante de chinês”, totalmente preconceituoso, que, dono de um um ethos reacionário, é leitor de revistas fúteis e esbanja um conhecimento enciclopédico – melhor dizendo, wikipédico. Cada qual das outras personagens, todas muito bem construídas, buscam suas identidade e sentido de vida. Ao estudante de chinês, o mundo, submerso no que lhe parece um delírio – envolvido repentinamente com a Polícia Federal ao tentar embarcar para a China -, deixa de ter um sentido maior. É o próprio conflito das versões de realidade que entra em questão.
Entremeadas, as “reproduções” contemporâneas – do discurso da imprensa aos sites da internet, da reprodução sexual à própria imitação da vida.
Segundo Luis Augusto Fischer, professor de literatura da UFRGS, em resenha publicada na Folha de São Paulo, examinar “o presente é uma das melhores vocações do romance, há 300 anos; Reprodução cumpre esse desígnio com argúcia e profundidade”. Segundo Fischer, “Bernardo Carvalho acerta a mão, a começar pelo ritmo perfeito de texto, inteligente mediação entre as exigências da fala e as convenções da escrita. A marcação cênica é econômica e precisa. Dando conta irônica e certeira da babel de nossos dias, o relato se encerra de modo algo alegórico, que dispersa um pouco, mas não deixa extraviar-se a potência crítica de seu ótimo romance”.
Como analisa Beatriz Resende, professora de Poética na UFRJ, em resenha publicada no jornal O Globo, o romance é surpreendente “pela originalidade e, desta vez, por uma ironia tão mordaz que chega a ser divertida”. Segundo ela, se “em obras anteriores Carvalho profanava as usuais tentativas de ordenação e classificação da literatura como a noção aglutinadora de identidade nacional, ou a ilusão (perdida) do sujeito único, aqui é o autor/narrador como sujeito dominante do ato criativo que se dilui”. De acordo com Resende, há duas chaves de leitura possíveis para o romance, que são fornecidos pela própria obra: “A primeira está nas epígrafes escolhidas pelo autor, apontando para dificuldades diversas de ser ouvido, seja pelo indizível do que se fala ou pelo silêncio imposto. Outra é uma fala da policial, quando repete que descobriram que a imaginação não existe e se pergunta “Pra que servia a imaginação?”, garantindo que ela não tem nem amor nem imaginação. A imaginação, afirma Arjun Appadurai, é recurso vital em qualquer processo social, como energia cotidiana. A imaginação não é mais uma questão de gênio individual, escapismo da vida diária ou uma dimensão da estética. É a faculdade que viabiliza a vida da gente comum de diversas formas. Imaginação é possibilidade de escape num mundo de reproduções que recusa o heterogêneo, o divergente como ameaça a regulações arbitrárias. A imaginação é, na verdade, a única língua possível do futuro e talvez nos dê a esperança de nos livrarmos dos males da reprodução acrítica”.
A Companhia das Letras disponibiliza trecho para visualização.
_____________
“Tudo começa quando o estudante de chinês decide aprender chinês. E isso ocorre precisamente porque ele passa a achar que a própria língua não dá conta do que tem a dizer. É claro que isso significa, também, que a possibilidade de dizer não está no chinês propriamente dito, mas numa língua que ele apenas imagina, porque é impossível aprendê-la. É nessa língua que ele gostaria de contar a sua história”.
_____________
Autor: Bernardo Carvalho
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 25,90 (168 págs.)