“[…] Os homens estavam amordaçados, seus olhos atados com um pano, e eu queria prometer que pararia de me recordar das coisas nos próximos dez anos, mas vovó Katarina era contra esquecer”.

Outro autor convidado para a FLIP deste ano é Saša Stanišić. Nascido em Višegard, na Bósnia, em 1978, tinha catorze anos quando sua família fugiu da Guerra da Bósnia e refugiou-se na Alemanha.

Seu primeiro romance, Como o soldado conserta o gramofone, foi publicado em 2006 e sua narrativa é marcada pela experiência da guerra. O segundo romance de Saša Stanišić, Antes da festa [a ser lançado na FLIP pela Editora Foz], recebeu o prêmio da Feira de Livro de Leipzig em 2014. 

Como o soldado conserta o gramofone foi traduzido para o português por Marcelo Backes e publicado em 2009 pela Record. Seu protagonista, Aleksandar, herdou do avô o talento para inventar e contar histórias. Quando a guerra alcançou sua cidade, Višegrad, sua família foi então forçada a fugir e o menino passou a cada vez mais utilizar a imaginação para criar uma realidade diferente. Sua histórias mirabolantes e fantasiosas também acabam sendo o que lhe permitem que preserve suas memórias mais caras, transformando a sua terra natal perdida em um território ficcional. A partir do olhar da criança sobre a guerra, o abandono e a destruição, a perda e a morte, este belo livro constrói uma narrativa tocante.

Trata-se de uma ficção com notas autobiográficas. Um romance exuberante, trágico, poético, lúdico, que narra uma infância excepcional cedo posta à prova da perda brutal, agarrada a uma crença indestrutível na narração. O livro foi aclamado pela crítica e ganhou diversos prêmios, entre os quais o prêmio do público no Concurso Ingeborg Bachmann e, em 2008, o Adelbert Van Chamisso e o Heimito-von-Doderer.

Segundo o editor e escritor Josh Lacey, em resenha escrita ao jornal inglês The Guardian, o livro tem “uma estrutura caótica”, Stanisic “preenche suas páginas com um amontoado desordenado de personagens, listas, ideias, frases, piadas, esboços e memórias”; sua prosa pode ser em dados momentos, extravagante e sentimental, para Lacey, porém as melhores partes do livro “são excepcionalmente poderosas e emocionantes”, de modo que a novela é, para ele, impressionante e “maravilhosamente inventiva”.

A poeta Paula Cajaty, em artigo publicado no Jornal Rascunho, para analisar a obra, contextualiza: “A visão de um menino sobre as tempestades da guerra e do exílio e sua comparação às bruscas mudanças de humor do rio Drina, na cidade bósnia de Visegrad, foram as formas que Sasa Stanisic encontrou para retratar a enxurrada de sangue que sérvios, bósnios e croatas impuseram à Europa Oriental após a queda do Muro de Berlim e o racha da unidade soviética. A descoberta de que nenhuma varinha mágica pode mudar a realidade e de que deixar obras inacabadas pode não ser tão divertido quanto parece são os ganchos essenciais para compreender como o amadurecimento de um adolescente é possível no contexto de uma guerra civil que interrompeu milhares de vidas e dilacerou milhões de famílias e infâncias”. Segundo Cajaty, “Sasa, um escritor bósnio cuja experiência, fortuna crítica e premiação contradizem a pouca idade, opta por uma narrativa suavemente furiosa e, sobretudo, intensamente poética, com metáforas preciosas e silêncios bem pontuados, conferindo o tom perfeito e único que o livro assumiu. Ao ler Como o soldado conserta o gramofone, algo se cala diante da profundeza e da impetuosidade das memórias do menino Aleksandar: a história de um tempo que devemos guardar com carinho; e uma outra, sobre um tempo perverso que não pode ser esquecido”.

 

_____________

“Para a avó, o passado é uma casa de campo com um jardim, no qual os melros chilreiam e as vizinhas chilreiam e se tira café de um poço, enquanto o avô Slavko e os seus amigos jogam às escondidas à volta dela”.

_____________

 

 

 

COMO O SOLDADO CONSERTA O GRAMOFONE

Autor: Saša Stanišić
Editora: Record
Preço: R$ 43,86 (336 págs.)

 

 

 

 

Comentários