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Felicidade libertina

8 junho, 2015 | Por Isabela Gaglianone
Egon Schiele

Egon Schiele

Crítica literária e professora de literatura, Eliane Robert Moraes, junto com a ensaísta argentina Beatriz Sarlo e com o filósofo Eduardo Jardim, participará da palestra de abertura da FLIP deste ano, intitulada “As margens de Mário” e do debate sobre literatura e erotismo, mesa por sua vez intitulada “Os imoraes”, que dividirá com o escritor Reinaldo Moraes e que será, segundo o curador Flip, “um contraponto a este erotismo de mercado” que faz sucesso atualmente.

Eliane, organizadora da Antologia poética erótica brasileira, a ser lançado pela Ateliê Editorial durante o evento em Paraty, acaba de ter, pela editora Iluminuras, reeditado seu ótimo estudo Sade – A felicidade libertina.

Neste estudo, uma introdução ao marquês de Sade para o leitor brasileiro, Eliane Robert Moraes mostra a viagem como um assunto que é o ponto de partida dos libertinos. A autora convida, pois, a acompanhar a trajetória lúbrica dos personagens, em um caminho que, por um lado, apresenta o universo de um escritor que, considerado vulgarmente como “caso clínico”, é hoje tipo um dos mais notáveis “homens de letras” do século XVIII europeu, e que, por ouro lado, propõe um roteiro literário e filosófico em que a surpresa se torna, por excelência, o elemento deflagrador da sensualidade. 

Na obra de Sade, a autora nos mostra, o erotismo transparece menos na descrição das cenas sexuais do que no mobiliário ou nos figurinos do deboche, na paisagem ou na arquitetura dos castelos libertinos: na libertinagem — em que nada existe além do prazer dos sentidos — todo investimento é sensual. Segundo a interpretação deste livro, os devassos de Sade se deslocam do espaço aberto para o interior de seus castelos, do grande teatro onde encenam espetáculos cruéis para um inconcebível salão de banquetes, até, por fim, atingirem os aposentos privados, onde a experiência da libertinagem assume contornos mais nítidos e insuportáveis.

Em artigo, no qual investiga a importância do vocabulário obsceno no interior da cultura pornográfica que se inaugura na Europa a partir do Renascimento, Eliane Robert Moraes fala de “uma vertente da libertinagem setecentista que se distinguia por suas requintadas manobras sobre a linguagem”. Mesmo assim, pontua a crítica, “foi preciso esperar que o romance se consolidasse como gênero narrativo moderno para que uma nova voga em matéria de escritos obscenos aparecesse. A década de 1740 assinala esse marco, com a publicação de uma série de obras que rapidamente se incorporaram aos clássicos da tradição: entre elas destacam-se textos de vasta ficção libertina francesa como Le Sopha, de Crébillon Fils (1742), Les Bijoux indiscrets, de Diderot (1748), ou Thérèse philosophe, de autor anônimo (1748), além do escandaloso romance inglês Fanny Hill de John Cleland (1749). A data aqui torna-se particularmente significativa: assim como o romance, a pornografia floresceu no apogeu do Iluminismo, coincidindo também com a crise geral que se instalou não só sobre a França, mas em diversos outros pontos da Europa setecentista”. A cultura pornográfica popularizou-se, o artigo aponta, “a partir de 1740, mesmo nos seus “submundos” mais incógnitos, desenvolveu-se no interior de conflitos que excederam em muito as polêmicas filosóficas sobre a virtude e o vício. Isso resultou em profundas transformações nas formas de representar a sexualidade. […] A obra de Sade é, nesse sentido, o melhor exemplo: além de tematizar as mais estranhas práticas sexuais, colocando em cena um panteão inclassificável de personagens, ela se vale de uma pluralidade de gêneros literários, tais como o romance epistolar, o panfleto político, os diálogos, o roman noir, entre tantos outros. Levando essa pluralidade à exaustão, o Marquês chegou a criar formas narrativas próprias, como é o caso do “catálogo de perversões” a que deu o título Les 120 Journées de Sodome, de 1785”.

Em entrevista à revista Agulha, a autora diz: “O que mais me atrai em Sade é essa “ruptura com o mundo” que sua literatura opera, na tentativa de despertar e colocar em jogo virtualidades humanas ainda insuspeitas, valendo-se da imaginação para aceder aos domínios do impossível. Por isso mesmo, minha leitura da literatura sadiana sempre privilegia a força imaginativa, fazendo eco a uma conhecida passagem das 120 journées que afirma: “toda felicidade do homem está na imaginação”. Assim, busco compreender o pensamento de Sade por dentro, a partir de seus próprios princípios, acreditando que ele funda um domínio único de expressão, alheio às exigências de coerência, sejam elas formais ou conceituais, sejam elas literárias ou filosóficas. Meu lugar de leitura está comprometido, antes de mais nada, com a fantasia do escritor”.

Entre as publicações de Eliane Robert Moraes, destacam-se diversos ensaios sobre a erótica literária. Ela é responsável pela tradução da História do Olho, de Georges Bataille [Cosac Naify, 2003]. É autora, dentre outros, dos livros O corpo impossível [Iluminuras/Fapesp, 2002], Lições de Sade – Ensaios sobre a imaginação libertina [Iluminuras, 2006, esgotado], Perversos, amantes e outros trágicos [Iluminuras, 2013].

 

eliane robert

 

SADE – A FELICIDADE LIBERTINA

Autor: Eliane Robert Moraes
Editora: Iluminuras
Preço: R$ 32,90 (280 págs.)

 

 

 

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