Obra Aberta – Forma e Indeterminação nas Poéticas Contemporâneas, estudo clássico de Umberto Eco, acaba de ser reeditado pela Perspectiva.
A tese do filólogo italiano, grosso modo, baseia-se na ideia da obra de arte como inacabada, de modo a exigir de seus receptores, portanto, uma participação ativa, uma percepção peculiar entre inúmeras possibilidades interpretativas. Eco investiga o prazer estético proveniente do embate com uma obra ambígua, que concede a seu receptor a livre ressignificação contínua.
A mensagem estética e a interpretação sígnica encontram-se na obra aberta. Eco discute com ideias de autores como Roman Jacobson, Paul Ricoeur, Merleau-Ponty, Alain Robbe-Grillet, Saussure e Benedetto Croce, entre outros.
O livro, intensamente preocupada com os problemas acerca da comunicação, discute textos literários, como Ulysses, A Divina Comédia, I promessi sposi de Alessandro Manzoni. Trata dos problemas da percepção e da transmissão poética, dos encontros entre o discurso poético e o discurso musical, da obra por fim como metáfora epistemológica.
Nos dois primeiros capítulos, que se detém na análise da arte e, em particular, da literatura, Eco analisa o que chama de “a poética da obra aberta”, bem como a linguagem propriamente poética, em suas “proposições com função referencial, função sugestiva, a sugestão orientada”. Na Introdução, Eco fala, sobre o princípio da sua argumentação:
“Se devêssemos sintetizar o objeto das presentes pesquisas, valer-nos-íamos de uma noção já adotada por muitas estéticas contemporâneas: a obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados que convivem num só significante. Essa condição constitui característica de toda obra de arte – é o que procuramos demonstrar o segundo ensaio, “Análise da linguagem poética”; mas o tema do primeiro, e dos ensaios seguintes, é que tal ambiguidade se torna – nas poéticas contemporâneas – uma das finalidade explícitas da obra, um valor a realizar de preferência a outros, conforme modalidades para cuja caracterização nos pareceu oportuno aproveitar instrumentos favorecidos pela teoria da informação”.
A poética da abertura da obra de arte segue o mundo de relações da qual a obra se origina. Os ensaios de Eco são mais do que representantes de uma estética teórica ou de uma história da cultura ou história das poéticas, como ele os define; são veios interpretativos do mundo, através de reflexões sobre as obras de arte.
Sobre o termo “poética”, Eco comenta: “O que se entende por ‘poética’? O filão que desde os formalistas russos vai até os atuais descendentes dos estruturalistas de Praga entende por ‘poética’ o estudo das estruturas linguísticas de uma obra literária. Valéry, na Première Leçon Du Cours de Poétique, ampliando a acepção do termo a todos os gêneros artísticos, falava de um estudo do fazer artístico, aquele poïein “que s’achève en quelque ouvre”, “l’action qui fait”, as modalidades do ato de produção que visa a constituir um objeto em vista de um ato de consumação.
“Nós entendemos ‘poética’ num sentido mais ligado à acepção clássica: não como sistema de regras coersitivas […], mas como programa operacional que o artista se propõe de cada vez, o projeto de obra a realizar tal como é entendido, explícita ou implicitamente, pelo artista”.
Publicado originalmente em 1962, o livro estabelece que a obra de arte é aberta porque não comporta apenas uma interpretação. Seu conceito de “obra aberta”, adverte, não é uma categoria crítica, mas um modelo teórico para pensar a arte contemporânea e seu modo de ser, baseado no princípio fenomenológico da intencionalidade.
Eco, em 1968, escreveu, na introdução à primeira edição brasileira: “vivemos num período de evolução acelerada: e a única palavra que a deve proferir para poder defini-lo será uma palavra de recusa das definições estáticas e catedráticas. […] ao escrever Obra aberta pareceu-me que a teoria da informação propunha uma chave boa para todos os usos, também no campo das ciências humanas; hoje acho […] que ela precisa ser integrada numa perspectiva semiológica mais ampla”.
O livro enquanto estudo de possibilidades de intervenção no universo das comunicações, ultrapassa, porém, a reflexão semiológica e sua análise é de profundo interesse à investigação sobre as mistificações estéticas, à crítica filosófica, ao questionamento da manipulação do discurso, às considerações sobre a abertura semântica das obras de arte.
Essa abertura, de sua própria obra, o professor de Literatura Italiana da USP Maurício Santana Dias, em artigo publicado na revista Cult analisa: “Um de seus cavalos de batalha desde A obra aberta (1962) sempre foi explorar a tensão dialética entre os direitos do texto e os direitos do leitor. Daí as recorrentes postulações de que “a coerência interna de um texto controla os incontroláveis impulsos do leitor”, ou que “entre a história misteriosa de uma criação textual e a deriva incontrolável de suas leituras futuras, o texto enquanto tal ainda representa uma presença reconfortante, um ponto ao qual podemos nos agarrar”.
OBRA ABERTA – REVISTA E AMPLIADA
Autor: Umberto Eco
Editora: Perspectiva
Preço: R$ 44,10 (352 págs.)