matraca

Aparente unidade linguística

16 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

O livro História social da língua nacionalorganizado pelas pesquisadoras Ivana Stolze Lima e Laura do Carmo, é resultado de um seminário realizado em outubro de 2007, cujas discussões giraram em torno da história própria da língua portuguesa no Brasil, marcada pelas condições sociais e culturais relacionadas à colonização, à escravidão, à relação com os indígenas e à imigração.

gravura de Hansen Bahia, da série “Navio negreiro”

Os artigos que compõem o livro foram formulados por pesquisadores de história, antropologia, língua portuguesa, linguística e literatura, de dez instituições, formando assim um conjunto com panorama diversificado e com diferentes focos de períodos e de fontes de pesquisa. “Livro, língua e leitura no Brasil e em Portugal na Época Moderna”, de Luiz Carlos Villalta, “Africanos, crioulos e a língua portuguesa”, de Dante Luccesi, “Fontes escritas e história da língua portuguesa no Brasil: as cartas de comércio no século XVIII”, de Afranio Gonçalves Barbosa, “Uma história da história nacional: textos de fundação”, de Manoel Luiz Salgado Guimarães, “Falas e cores: um estudo sobre o português de negros e escravos no Brasil do século XIX”, de Tania Alkmim são apenas alguns dos artigos.

Ao longo do livro, a questão da diversidade cultural coloca-se intimamente ligada ao reconhecimento do Brasil como um país multilíngue, no qual a história da implantação do português como língua nacional e como marca identitária envolveu não apenas o estabelecimento de um diálogo com Portugal, antiga metrópole colonial, e a relação com os diferentes grupos humanos, culturais e étnicos no território nacional. A preocupação com o estabelecimento da língua nacional, portanto, é aqui mostrada em suas causas políticas e efeitos sociais problemáticos em uma sociedade escravista.

Uma das organizadoras, Ivana Stolze Lima, em artigo publicado na Revista Estudo Históricos, do Rio de Janeiro, pontua, para introduzir a discussão de alguns aspectos da história da nacionalização linguística do Brasil, em especial sua articulação com a escravidão de africanos e descendentes: “A expressão “países de língua portuguesa” parece sugerir, ao ouvido pouco atento, ideias de unidade que existiriam tanto entre os diferentes países como internamente em cada um deles. No entanto, o exame atento mostra como as diferenças e tensões afloram a todo momento e o quanto essa unidade é mais projetada do que efetiva. Na maioria dos chamados países de língua portuguesa, essa língua não é a língua materna predominante e nem é falada pela maioria da população, e tensões que podem surgir dos diferentes status das línguas atravessam o cotidiano e tornam visíveis desigualdades sociais e políticas. Além da dimensão simbólica que a suposta ideia de unidade carregaria, retirando a ênfase das ações políticas e dos dramas envolvidos na coexistência das línguas oficiais e das práticas linguísticas dos diferentes grupos, deve-se considerar criticamente os interesses da indústria e toda a movimentação da economia relacionada à promoção dessa unificação”.

Segundo Stolze Lima, “vale a pena nos debruçarmos sobre o conceito de língua e seu uso como fator de identidade e de uma suposta coesão interna de Estados nacionais. Historicamente, longe de ter sido um processo espontâneo ou natural às formações sociais, as línguas nacionais do mundo moderno europeu formaram-se a partir de projetos específicos de estabelecimento de normas ligados à expansão da cultura escrita”. Ela analisa: “No momento em que o Brasil se tornou independente, constata-se uma situação bastante complexa. De um lado, se se considera a experiência linguística dos diferentes povos circunscritos ao território, constata-se um plurilinguismo formado por línguas indígenas, línguas africanas e outras línguas europeias e também pelas variedades do português em função dos regionalismos, do acesso diferenciado aos padrões cultos, bem como da condição de aquisição do português como segunda língua, válida para grande parte desses povos, notadamente para os africanos traficados para o Brasil”. E conclui o artigo defendendo uma interação linguística fluida. “Por um lado, o que temos a deduzir é que os escravos, tanto crioulos como africanos, eram vistos como falantes desembaraçados. Mas por outro lado, devemos procurar o que estas descrições revelam sobre os próprios senhores e sobre como viviam a língua corrente na cidade. Se aos ouvidos dos senhores os escravos se comunicavam bem, isso pode nos levar a supor que esses escravos influenciavam o falar corrente e cotidiano. Os estudos linguísticos atuais têm investigado as influências na sintaxe no português do Brasil dadas pela situação de contato com as línguas africanas. Indo muito além do vocabulário, aponta-se para formas correntes que passaram ao vernáculo, à língua falada do dia a dia, que poderiam ser explicadas por características específicas de tais línguas”.

 

 

 

 

HISTÓRIA SOCIAL DA LÍNGUA NACIONAL

Autor: Laura do Carmo, Ivana Stolze Lima (orgs.)
Editora: Casa de Rui Barbosa
Preço: R$ 32,00 (418 págs.)

 

 

 

 

Send to Kindle

Comentários