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O homem, a História, as imagens

15 maio, 2014 | Por Isabela Gaglianone

Ninfas – que compõe a série de ensaios publicada em 1998 sob o título Image et mémoire – do italiano Giorgio Agamben, tece uma reflexão sobre o moderno esquecimento da experiência, baseada numa análise sobre o trabalho do crítico e historiador da arte alemão Aby Warburg e de seu atlas das diversas versões de representação de determinadas figuras da arte, o Altas Mnemosyne. Para Warburg, trabalhar com imagens, nesse sentido representativo diversificado, significa trabalhar no limiar, não somente entre o corpóreo e o incorpóreo, mas, sobretudo, entre o individual e o coletivo. Para Agamben, seria o cerne da problemática em torno do papel fundamental do contemporâneo.

O filósofo italiano parte da visão da prancha 46 da referida obra, a Ninfa clássica, pretexto e objeto, para Warburg, de uma obsessiva reflexão sobre a imagem e a fórmula do pathos. A interpretação de Agamben a sugere como objeto de análise ineludível para o pensamento atual da arte, por ser figura tutelar da “vida após a vida” [nachleben] das imagens: encarnação emblemática da sobrevivência e alterforma que dá lugar à continuidade do visível em nossa cultura.

As ninfas são imagens sobreviventes da Antiguidade e ícones do prazer ilimitado das deusas. O termo “ninfa” procede, como diz F. Calvo Serraller, em artigo publicado no jornal argetino El país, do latim lympha, que alude a uma ‘divindade aquática’, bem como do grego nimfe, que significa ‘mulher jovem’ ou ‘divindade das fontes’. … pontua que atualmente o significado original persiste ainda, para nomear uma pessoa jovem fisicamente atraente e para referir-se ao transtorno erótico, com o termo ‘ninfomania’.  Segundo ele, “em qualquer caso, podemos vincular a história dessas criaturas, na cultura do imaginário ocidental moderno, como uma ressonância do erótico devaneio pastoril de um mundo bucólico, onde ganham vida estes seres míticos, de natureza mista, cuja disponibilidade excita o desejo dos homens, mas não sem gerar simultaneamente uma certa apreensão, quando não, simples terror”.

A loucura é o que interessa a Agamben na figura da Ninfa – “a história da ambígua relação entre os homens e a Ninfa é a história da difícil relação entre o homem e suas imagens”. Ele elabora uma teorização sitil sobre o imaginário recorrente na cultura ocidental desde Aristóteles, passando pelos autores medievais, para chegar até “a imagem dialética” de Walter Benjamin. Para Agamben, a Ninfa é um exemplo canônico da imagem carregada de prazer, objeto por excelência da paixão humana pelas imagens. Ela possui uma “vida póstuma histórica”, que necessita, para que seja realmente viva, que um indivíduo vivo una-se a ela.

Sérgio Henrique da Silva Lima, doutor em Estudos Literários pela UFMG, em resenha ao livro, coloca a questão levantada por Agamben nas seguintes palavras: “Trata-se, portanto, de fazer resgatar – ou, como é o caso de Ninfas, de fazer sobreviver – aquilo que na noção histórica da sociedade moderna se condicionou ao morto, ao esquecimento. Agamben vai compondo seu breve ensaio como se estivesse a simular o mesmo processo de montagem dos painéis warburguianos, cujo princípio se fundamenta no conceito de Pathosformel. Tal estratégia parece se colocar como forma mesmo de reafirmar a condição da ninfa enquanto a “fórmula” através qual também Warburg desenvolve a noção de “vida em movimento”. A Pathosformel (“fórmula de pathos”) warburguiana, nesse sentido, é dada a uma experiência de tempo que, condicionada por um estado de afecção, estabelece uma relação com uma imagem “cuja forma coincide pontualmente com a matéria e cuja origem é indiscernível do seu vir a ser é o que chamamos tempo” (p. 29). No entanto, essas imagens (sujeitas aos desafios das formas que compreendem os estudos sobre as transmissões históricas) estão destinadas ao enrijecimento que Agamben chama de “forma espectral” e, assim sendo, as “imagens são vivas, mas, sendo feitas de tempo e de memória, sua vida é sempre Nachleben, sobrevivência, está sempre ameaçada e prestes assumir uma forma espectral” (p. 33)”. Segundo Lima: “Defendendo, assim, o plano da imaginação como o princípio que rege o homem, Agamben delimitará este lugar de potência, que se situa entre a sensação e o pensamento “no qual o pensamento se torna possível somente por meio de uma impossibilidade de pensar” (p. 60), através de uma capacidade de se pensar numa história outra. É nesse espaço – onde também se inscreve a historiografia warburguiana – que o pensador projetará uma história da humanidade possível, em que “os vestígios do que os homens que nos precederam esperaram e desejaram, temeram e removeram. E como é na imaginação que algo como uma história se tornou possível, é por meio da imaginação que ela deve, cada vez, de novo se decidir” (p. 63)”.

O título faz parte da “Coleção Bienal”, um conjunto de cinco livros inéditos no Brasil relacionados à curadoria da 30ª Bienal de São Paulo – A iminência das poéticas –, realizada em 2010. A coleção é uma parceria da Bienal e da editora Hedra.

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“[…] a essência do meio visual é o tempo […] as imagens vivem dentro de nós, somos colecionadores de imagens e uma vez que as imagens tenham entrado em nós não deixam de transformar-se e crescer”.

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ninfas

 

 

NINFAS

Autor: Giorgio Agamben
Editora: Hedra
Preço: R$ 15,00 (78 págs.)

 

 

 

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